Manuela de Alcântara Santos
Da primitiva capela de S. Nicolau, construída em 1663, ficou-nos uma descrição minuciosa no conhecido contrato celebrado pelos mordomos da confraria com o pedreiro Domingos Lourenço. Nos termos desse contrato, as espessas paredes do pequeno templo deviam ser feitas de pedra de galho em esquadria, sendo de pedra fina o pavimento interior em lisonja, o degrau de entrada e o degrau do altar, os cunhais exteriores com capiteis dóricos e vasas coríntias, a abóboda de berço de quinze caixotões dividida em três tramos por arcos salientes. Tanto exteriormente como no interior, ao alto das laterais, corria um friso com cornija e arquitrave. Um cachorro de pedra sustentava o madeiramento do telhado e um algeroz de meia cana acompanhava a empena. O recinto recebia luz por uma fresta aberta numa das paredes laterais, e a ele se acedia por um arco redondo, assente em pilastras de bases coríntias e capiteis dóricos. O altar do Santo, de pedra tosca, erguia-se contra a parede do fundo.
Já foi realçada a semelhança entre os elementos arquitectónicos decorativos da capela de S. Nicolau e os que serão usados na capela-mor da Colegiada, quando da ampliação e reforma que sofreu em 1686).
Com o decorrer dos tempos, a capela sofreu obras por várias vezes, umas de simples conservação, outras para a adaptar à evolução de gostos e tendências artísticas.Foi sobretudo o interior que sofreu as transformações mais evidentes.
Na primeira metade do século XVIII, a capela esteve interiormente revestida de azulejos . Teve um retábulo, presumivelmente de talha, ao gosto da época, em que a imagem do Santo Padroeiro estava ladeada pelas de S. Jerónimo e de S. Pedro Mártir. Em 1774 foi feito um "frontal de entalha", dourado poucos anos depois. Na mesma data, a Irmandade pagou uma banqueta composta de uma cruz à romana, com a imagem do Senhor Crucificado, e de seis castiçais de talha, que igualmente foram mandados dourar. Certamente por causa destas peças, tornou-se necessário acrescentar o altar com duas tábuas.
Cerca de 1780 foi preciso retelhar o corpo da capela e substituir duas das pedras da abóbada por uma clarabóia envidraçada com armação de chumbo, para iluminar melhor a pequena quadra. O interior da capela foi então mandado pintar e dourar pelos pintores Manuel Lopes e José Machado, provavelmente de acordo com a proposta do procurador para que fosse "oleada e pintada a abóbada da mesma capela com seus mármores fingidos".
Em 1781, a Irmandade decidiu que se fizessem umas grades de pau recortadas com suas hastes ou espigões de ferro, que se fechariam com chave e fechadura. A capela estava abusivamente a servir de casa de arrumos aos cónegos da Colegiada, que aí recolhiam alguns trastes que embaraçavam os actos de culto. Foi o carpinteiro Francisco de Macedo que executou essas grades em madeira de castanho, segundo risco do entalhador José da Cunha. Houve na capela dois armários metidos na parede, onde se guardavam a cera e os pertences da Irmandade.
No século XIX, os cónegos promoveram a reforma da Igreja da Colegiada, revestindo-a inteiramente, por dentro, com madeiras e estuques de gosto neoclássico. A pedido do cabido, os mesários e mais irmãos de S. Nicolau autorizam, em 1830, que a capela seja também reformada, se à custa do próprio cabido. Cremos que datará desta época a "escritura de contrato de transacção e amigável composição com o 111.mo Cabido sobre a Capela do nosso Santo", citada num inventário. A remodelação incluía a edificação de um novo altar, cujo risco fora feito por António Pinto, e mandado mostrar ao Porto a um tal Barros. Terá sido então que foi tirada a grade de talha que "deu-se por ordem da Meza ao 111.mo Cabido em compensação do novo altar que tem a fazer pela nova escriptura". Este novo altar seria mais pequeno que o anterior já que "por não ter o novo altar capacidade para as expor à veneração dos fiéis, nem o permitindo a regularidade da nova igreja da Insigne e Real Collegiada", as imagens de S. Jerónimo e de S. Pedro Mártir foram dadas, respectivamente, à Confraria de S. Sebastião e ao pároco de S. Cipriano. A remodelação deve ter ficado concluída na década de 30, pois em 1839 a Irmandade resolve mandar fazer, com toda a brevidade possível, "uma sacristia pela parte de trás do nosso altar onde antigamente se achava o mesmo", e também "que se fizesse um cofre seguro, para nele se guardarem as preciosidades e dinheiros".
Não tendo chegado até nós vestígios desta sacristia, podemos interrogar-nos se ela terá sido, de facto, edificada. Inclino-me para uma resposta afirmativa, dado que as reuniões da Mesa, que até então se realizavam "nesta Real Collegiada" ou "na Igreja da Insigne e Real Collegiada", passam a partir de 1845 a ser feitas "na sacristia da Irmandade de S. Nicolau" ou "em nossa sacristia" ou "na sacristia desta Irmandade" ou ainda na "Casa do Despacho da Irmandade". Também no inventário de 1863, depois da lista dos bens móveis da Confraria, se explicita que todos aqueles objectos se achavam colocados na sacristia da Irmandade, que servia de casa de despacho para as suas reuniões.
Não sei se a "capela do nosso santo" foi feita para nela se guardar uma qualquer imagem de S. Nicolau pré-existente ou se, pelo contrário, a imagem foi mandada fazer para ser posta no altar da capela acabada de construir. É talvez mais lógica a primeira alternativa, mas temos que reconhecer que pouco sabemos sobre a estátua ou estátuas do Santo veneradas na capela dos estudantes. Sobre o assunto os inventários são breves e pouco esclarecedores: o de 1783 refere apenas a existência da "imagem do N. Patrono S. Nicolau"; o de 1863 averba "uma imagem de pau do Padroeiro" e o de 1930/31 cita "uma imagem do Padroeiro, em madeira quase tamanho natural com báculo de madeira na mão". Esta última descrição adequa-se perfeitamente à estátua que chegou até nós, e que representa S. Nicolau com as insígnias e vestes episcopais: mitra, manto vermelho pendendo dos ombros, roquete branco com a barra inferior simulando renda, mãos enluvadas de vermelho, livro na mão esquerda, báculo de madeira na direita.
Por ocasião da festa e procissão, o Santo era enfeitado a preceito: em 1756 foi mandada fazer uma mitra bordada a prata fina e em 1797 um outra, para a qual se gastou setim, papelão, retroz e feitio; nesse ano mandou-se também engomar o roquete que o santo levava ; na 2a metade do séc. XIX o báculo de pau passa a ser substituído por outro, muito mais "decente", de prata.
Estofar a imagem custou, em 1760/61, a importância apreciável de 24$840.
Entre os bens móveis da Irmandade, merece especial atenção a campa ou sineta de mão, que o campeiro tocava a juntar a Irmandade.É um pouco intrigante que tenham chegado até nós duas campainhas, ambas com o cabo revestido e borla, mas que os inventários refiram apenas uma. Antes de 1738, apenas se conhece " uma campainha de metal pequena ", mas não deve ser nenhuma das existentes, pois era preciso pedir campa por empréstimo quando se havia de chamar a Irmandade. Nesse ano a Irmandade mandou fazer aquela que tem gravada a legenda "ESTA HE DE S. NICOLAU . 1738"; nas contas desse ano, foi anotada a respectiva despesa: "coma campa que se fez para o campeiro chamar a Irmandade: de metal e fundição 1$600, com quem a torneou e bruniu 240, com quem lhe abriu o letreiro 100".
O servo ou campeiro, que corresponde aproximadamente ao actual sacristão, era figura importante na vida da corporação. Exigia-se, para o desempenho do cargo, um homem fiel, de boa moral e bons costumes. Além de tanger a campa, competia-lhe ainda , no século XIX, levar a cruz nas procissões e outros actos religiosos. Era nomeado pela Mesa e recebia não só a remuneração cujo montante foi variando ao longo dos anos, como o vestuário que devia usar no exercício das suas funções. Por uma "opa roixa" pagou a corporação 2$750 em 1756; por uns sapatos, 850 reis.
A apresentação do servo tinha a sua importância para a imagem exterior da Irmandade. Assim, em 1820, esta determina "que ao Campeiro se mandasse fazer hua Loba e Cota desente para aCompanhar a Corporação somente Levando a Cruz nas procissões einterros e quando Tocar a Campainha somente será de Opa". A loba, também designada por chimarra, era uma batina ou sotaina, sobre a qual se podia usar uma espécie de sobrepeliz branca, cota ou roquete, conforme o comprimento.
Dois anos depois, os Irmãos mudam de ideias à cerca do trajo do campeiro ou servo, determinando que em todo o seu serviço use capa e loba roxa, mas quando levar a cruz deverá usar loba com cota; logo, que se mandasse fazer uma capa do mesmo pano da loba (85). Efectivamente, o guarda-roupa do servo foi então renovado, conforme se depreende das despesas seguintes:
Com 13 côvados de paninho roxo, vindo do Porto, para o vestido do servo, a 1320 reis17$820 8 côvados e meio de Holanda a 200, para o dito 1$700 10 1/2 oit. de retroz a 60 para o dito e linhas 680
1 Carreto do estafete para trazer o pano do Porto- 200
Feitio ao alfaiate e cabeção-2$400
Aparelhos para o dito vestido, colchetes, alamar,cordão para a capa-1$000
Soma 23$800
Chapéu novo para o servo-1$250
Para o aparelhar-550
Soma-1$800
1/2 vara de paninho, 3/4 de cambraia, cordão e feitio do novo roquete para o servo- 1$480
Volta para o cabeção do servo e brunir o roquete.
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Quem nos anos de 1950 se encaminhava à sacristia da Colegiada deparava uma ampla capela de construção e abobada granítica, confinada por larga grade de ferro forjado, um altar trabalhado e, nele, a imagem do Santo. Era uma capela autónoma, com mais de 300 anos.
Em 1970 numa renovação polémica do templo foi a capela desmontada.