Pinheiro

 

A velha tradição minhota, quiçá de origem céltica, de anunciar as festas pela implantação de um grande mastro florido na praça maior das aldeias, normalmente junto à Igreja, desde tempos imemoriais os estudantes de Guimarães elegeram para seu mastro o maior e aprumado pinheiro que em cada ano lobrigam nos montes próximos. Há mais de 80 anos que a família Aldão garante a oferta de tão prestigioso mastro. A árvore é abatida e no local despojada de todos os ramos à exceção da curuita, constituída pela haste principal e pelos quatro ou cinco ramos que a suportam, localmente chamada de croinha, e depois levada para o Cano, aí a uns trezentos metros do Castelo da Fundação, onde fica a aguardar, sobre os estrados de quatro carros de bois, cujas cimalhas lhe são amarradas por grossas cordas, que os jovens estudantes o vão adornar de vistosos festões, bandeiras e balões de papel.

Cumprida essa tarefa vão os jovens fazer a sua entrada na cidade atroando os ares no matraquear de suas caixas e zabumbas, num toque de ritmo exclusivo, cadência marcada de Tradição no orgulho juvenil dos executantes: é nessa entrada que muitos marcam na alma o sentimento novo de ser Nicolino!

E por isso, se há dissonâncias estranhas no toque tradicional motivadas pela insipiência dos novatos, lá vem o chefe dos bombos, na autoridade da sua vassoura encimada por cabeluda boneca, a repor o ritmo e a exigir a autenticidade das notas, sendo certo que ao atingir o centro da cidade, a belíssima Praça do Toural, o concerto já é perfeito nos limites que é humano admitir para a perfeição quando estão em jogo largas centenas de caixas e bombos zurzidas por baquetas que desenham no ar, tão louca e perdidamente, a esperança e a força daquela alegria jovem que assim se faz ouvir de longe e vai contagiar a cidade onde todos, novos e velhos, se preparam para vir à rua a ver passar o Cortejo do Pinheiro, lá para a meia-noite.

É a alegria do Santo que se instala naquele fervilhar de povo que aumenta o costumado bulício da Cidade: restaurantes e tascas, cafés e pastelarias, vão nessa noite servir milhares de refeições inusuais a jovens e velhos Nicolinos!

Na verdade centenas de antigos estudantes de Guimarães vêm de longes terras, deixam tudo para regressarem à terra da sua juventude, abandonam mesmo as maleitas e as dietas para, nas Termas da Saudade, reencontrarem nos dentes os rojões tradicionais, com suas farinheiras de cominhos e suas castanhas assadas, suas batatinhas e grelos empurrados num tinto perfeito que espuma recordações na felicidade de reencontros desejados.

O Cortejo do Pinheiro, na noite de 29 reproduz toda a féerie de um Cortejo do Pinheiro de antanho... de Novembro de cada ano, é a primeira manifestação da Festa Nicolina, quiçá a mais participada e mais querida, quer dos novos quer dos velhos estudantes quer ainda das populações: o mais belo pinheiro das nossas matas é levado sobre três carros típicos do Minho, puxado por belíssimas juntas de bois. Precede-o um outro carro com a representação de Minerva e seguem-no mais dois ou três carros ocupados por jovens foliões e exibindo cartazes de registo a acontecimentos "notáveis" da cidade. Na cauda seguia outrora a celebrada Banda dos Guises ou, em tempos mais recentes, uma fanfarra. Quando esta falha é substituída por uma Tertúlia de Nicolinos que se desmarcam da tremenda "orquestra" que faz a guarda avançada do cortejo. Contam-se centenas de caixas e dezenas de bombos que os Velhos percutem com inusitado arreganho, resultando do ritmo uma verdadeira trovoada! As raízes da Festa perdem-se no tempo e os instrumentos denunciam costumes celtas muito comuns ao Minho e Galiza.

Enquanto a caixa exige na execução uma boa dose de agilidade e ouvido, o bombo ou zabumba pede força e denodo, devendo resultar do conjunto um sincronismo perfeito ao mando do "Chefe de Bombos" que encabeça o cortejo e vê substituída a batuta por uma grande vassoura adornada de uma boneca e longas fitas. O sangue espicha das mãos que empunham a maçaneta e vai tingindo as peles violentamente percutidas, muitas das quais não resistem à fúria das pancadas! 

Nos anos 50 os executantes rondavam a centena e a "orquestra" era facilmente controlada.

Na atualidade ultrapassam o milhar o que provoca um certo fracionamento e anarquia que dá ao Cortejo novas virtualidades: há uma certa emulação entre os grupos que desfilam ante os atentos "melómanos nicolinos" que os vão julgando e aplaudindo à medida que passam nas ruas apinhadas.

É com esta "Entrada do Pinheiro" na cidade de Guimarães que se iniciam as Festas Nicolinas, no dia 29 de Novembro de cada ano (há mais de 500 anos!).

Mau grado as baixas temperaturas que se registam na época será importante referir a forte concentração humana que então se regista nas ruas e praças percorridas pelo cortejo que, saindo do Cano, por detrás do imponente Castelo, atravessa literalmente a cidade para, no Campo da Feira, junto à bela Igreja dos Santos Passos, ser erguido o Pinheiro. Mesmo se chove o cortejo avança e a população aguarda estoicamente a sua passagem sem que ninguém saiba as razões deste apego a festa tão singela e tão popular. São muitos milhares de pessoas que ali se reúnem e pelas ruas confraternizam alegre e ordeiramente, sem distinção de íncolas e forasteiros, jovens e velhos, mulheres de crianças ao colo, miúdos sorridentes que experimentam imitar os crescidos e ferem com suas baquetas as peles de pequenos tambores. Só os doentes ficam por suas casas...Grupos dispersos atroam os ares com as suas caixas e bombos, todos a convergir para o Cano a partir das vinte e uma horas. Lá para as vinte e três é a hora de os Velhos Nicolinos seguirem o mesmo caminho pois é de tradição que o cortejo não arranque sem a presença desses antigos estudantes que terminaram, eles também, a sua característica Ceia dos Velhos, palco natural dos Pregões dos Velhos que vimos compilar. A cidade agita-se por entre o frio, um frio quente de tanto calor humano, nesta estranha manifestação que envolve a cumplicidade de todo um Povo com a sua juventude! É deste clima contagiante que o forasteiro se deixa abraçar. É desta "qualquer coisa" indefinível que parece emergir do fundo dos tempos que a Festa se faz, ano a ano, de geração em geração, património e memória que um povo guarda para ser guardado, festa pura porque sem rebusco ou artificio!

Só vendo, participando, vivendo!




Este ano foi assim o mastro erguido...
 
Das tochas apagadas, fumos vão
Gerar dentro de mim um novo ano
Que o tempo nos marca na função
Do Pinheiro que "presto va lontano"!
 
Já me quedo absorto e comovido
Ao ver o mastro erguido e altaneiro
Desta Festa p'ra muitos sem sentido
Que para mim o tem tão verdadeiro...
 
Será que para o ano cá estarei?
 
Da Vida o mor mistério é esta sorte
Que de há muito aprendi e certo sei:
Viver intensamente antes que a Morte
Nos traga de presente a dura lei!
 
Que Festa linda esta que vivi
Tão de meu Povo amigo rodeado!
E que calor enorme o que senti
Quando o frio em natura nos é dado...
 
A chuva que caía... que me importa
Se nesta Festa venho de menino?!
Quando a Morte bater à minha porta
Morrerei eu... mas não o Nicolino!
 
Este ano foi assim o mastro erguido...

 


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