Tive uma breve passagem pelas Danças de São Nicolau no ano de 1988, ano em que tive a imensa honra e prazer de ter desempenhado o cargo de Chefe-de-Bombos da Comissão de Festas, e em que, nessa qualidade, participei em alguns sketches das Danças.
Estive, depois, muitos anos afastado deste mais antigo dos números das festas, porque, logo em seguida, fui viver para Coimbra, a fim de, aí me licenciar em Direito, e, como cultor profundo das tradições académicas, me envolvi de imediato, de forma muito profunda nas inúmeras e muito antigas tradições da academia coimbrã, as quais aprendi rapidamente a amar e, tal como as Nicolinas, fiz minhas.
Regressado a casa e exercendo a profissão que, desde que me lembro, elegi, fui desafiado por alguns amigos de longa data que comigo partilhavam a experiência e a honra de terem sido membros de Comissões de Festas Nicolinas, a embarcar num novo projeto associativo destinado a reunir, em jeito de fórum, todos os que, desde sempre, integraram as diversas Comissões, a fim de partilhar experiências, aprofundar o conhecimento, dar largas ao amor que todos sentimos pelas Nicolinas e, sendo possível, ajudar a engrandece-las, a melhora-las, a transmitir essa paixão e essa experiência. Aceitei de imediato o desafio, até porque, para além de um enorme amor pelas nossas festas, tenho um carinho, um respeito e, como toda a cidade, uma impagável dívida de gratidão por tudo quanto o movimento associativo fez por Guimarães, no plano social, cultural, desportivo e económico.
Já no seio dessa nova organização a demos o nome de A.C.F.N., fui desafiado, em 2006, a regressar às Danças de São Nicolau. Fi-lo com gosto, na querida companhia de amigos de longa data, o André Coelho Lima, o Rui Barreira, o Francisco Gama Lobo, o Rui Melo, o Carlos Marques e o Miguel Coelho Lima.
Desde então, não mais deixei de participar, como ator e como autor, neste número que constitui um dos mais maravilhosos, divertidos e fundamentais momentos de celebração e de reconhecimento da nossa cultura popular. Um que, ao longo de todos estes séculos, sempre soube reinventar-se, estando à altura do seu tempo, muito por obra de sucessivas gerações de nicolinos que evoco neste momento - sem o mínimo de desprimor para todos os que o antecederam nestas funções, na pessoa de Miguel Bastos, o “meu” diretor das Danças de São Nicolau.
Foi a visão dele que trouxe as Danças de São Nicolau até ao Séc. XXI, sem as descaraterizar como espetáculo popular que iminentemente são, com respeito absoluto pela sua função simultaneamente lúdica e irreverente e socialmente crítica e politicamente empenhada, como momento criativo no qual reina a absoluta liberdade de expressão individual e coletiva. Ao mesmo tempo que cuidou de as manter, no essencial, iguais a si próprias, nos valores e nos princípios, soube incutir- lhes as marcas da modernidade que possibilitaram traze-las até hoje, com renovado interesse de que são prova as sucessivas edições absolutamente esgotadas. No processo de aprendizagem e colaboração, fiz um amigo (na verdade fiz vários e reencontrei outros tantos). Como diz a canção, “coisa mais importante no mundo não há."
Como se tudo isto não bastasse já - e apesar de nenhum de nós estar minimamente convencido disso -, o Miguel, desprendido como é, considerou que o seu consulado de 20 anos a conceber e dirigir as Danças de São Nicolau era suficiente, que era o momento de uma renovação, de trazer um olhar e ideias novas.
Chegados a este ponto e perante a constatação de que, desta vez, era mesmo a sério, o grupo de forma unânime entendeu que deveria ser eu a assumir a função de coordenar o espetáculo. Integrar o elenco de todos os que o fizeram antes mim, representa uma responsabilidade gigantesca, da qual me resta esperar estar à altura.
Vale-me o facto de estar rodeado de talento, amizade e empenho de um grupo que, com o Miguel à cabeça, me aligeira a carga e me faz acreditar na possibilidade de servir as festas que tanto amo de modo válido.
Um sincero obrigado a todos pela amizade, voto de confiança e carinho.
Até já!
Jorge Castelar
Post Scriptum: quis o destino que estas minhas "primeiras" Danças de São Nicolau, fossem também as primeiras sem a presença do enorme Amigo e ímpar Nicolino, Francisco Ribeiro. O vazio é absoluto e, em sua homenagem, decidimos retirar de cena, nesta edição, o personagem que fez seu, "Teolindo, o Camareiro", que regressará para novas aventuras no próximo ano. Para o bem e para o mal, dedico-lhe estas Danças, num abraço apertado. Até sempre, companheiro!
FICHA TÉCNICA
Direcção Geral - Jorge Castelar, Miguel Bastos
Textos originais e adaptações - Miguel Bastos, Jorge Castelar, Francisco Castro Ferreira, José Ribeiro, Tiago Guimarães, José João Torrinha, César Machado, Rui Melo.
Letras - Miguel Bastos, César Machado
Músicas originais - Paulo Rodrigues, Tiago Simães
Gravações - João “Xtrondo” Guimarães
Direcção musical - Tiago Simães
Coreografia - Sofia Ribeiro
Cenografia - Carlos Coutinho
Operador multimédia - João Bernardo, José Manuel A. Fernandes
Capa e desenho gráfico - Miguel Sousa
Apoio organizativo - Augusto Costa, João Neves, Vicente Salgado
Sonoplastia / Luminotecnia - Equipa do C. C. Vila Flor
Ponto Electrónico e VOZ-OFF - José João Torrinha
Filmografia - Ricardo Leite
Guarda-Roupa / Adereços - A. A. E. L. G. / Velhos Nicolinos
Orquestra - rovadores do Cano
Direcção da orquestra - Maestro Manuel Magalhães
EnsaiosCentro Assuntos da Arte e Arquitectura e Escola Sec. Francisco de Holanda
Produção / Coordenação - A. A. E. L. G. / Velhos Nicolinos
SÃO NICOLAU
COMO VIVEU E COMO OBROU
São Nicolau de Mira, dito Taumaturgo, nasceu na segunda metade do Séc. III e morreu no dia 6 de dezembro do ano de 350. Da sua vida, chegaram-nos inúmeras lendas e relatos de milagres, sempre relacionados com a caridade, generosidade e afinidade com as crianças, entre os quais se destacam:
- A salvação das filhas de um comerciante caído na falência, que destinava as suas três filhas à prostituição. O santo, sabendo desse plano, atirou vários sacos de moedas de ouro e prata pela chaminé da casa e, com esse dinheiro, o homem pagou o dote das moças, casando-as dignamente e restabeleceu os seus negócios;
- Noutra ocasião, em época de grande carestia, um estalajadeiro ávido de lucros, como não tinha refeição para servir aos clientes, sequestrou três crianças a fim de transformá-las em bifes e ensopado. Matou-as, esquartejou-as e armazenou as partes em um barril de salmoura. São Nicolau, descobrindo o crime, reuniu os membros cortados e ressuscitou as crianças;
- Nicolau viajava muito por mar, com destino a lugares santos e muitas vezes enfrentou o mau tempo e ficou conhecido pelo seu poder de aplacar tempestades e caminhar sobre as águas, salvando navios e náufragos;
- A sua ligação com as crianças, mais tarde, reforçou a sua identificação com as características do Pai Natal, pois premiava as que se aplicavam mais ao estudo do catecismo e as que se portavam melhor, pelo que lhe é prestado culto, como protetor dos estudantes.
Durante a sua vida, um dos papas foi Marcelo I.
Destes e de outros episódios da vida do nosso Santo falaremos em seguida, a fim de percebermos melhor o que realmente se passou... ou, então... não.