Arquivo: Principio da reconstrução
Em 24 de Setembro de 1982 é publicado no Noticias de Guimarães um artigo assinado pelo Eng. ° J. M. Gomes Alves
“S. Nicolau, Santo Bispo celebrado a 6 de Dezembro no calendário católico, é desde tempos recuados da Idade Média o Patrono dos Estudantes.
Juntamente com Santa Escolástica foi-o na Universidade de Coimbra e de Salamanca, foi-o em Braga e no Porto, segundo ritos mais ou menos expressivos, mas todos bem marcados e com indiscutível aval popular.
Tê-lo ia de ser também em Guimarães e naturalmente com a evidência e sentido eminentemente religioso que sempre foi timbre do culto vimaranense, bem demonstrado pela quantidade e diversidade de Irmandades ou simples Confrarias que se fundaram, tantas quantas as classes e mesteres.
Surgiu, assim, em pleno séc., XVII a Irmandade de S. Nicolau dos Estudantes. A população escolar, onde dominava a carreira eclesiástica, não poderia ficar atrás no movimento associativo de intenção religiosa que proliferava à sua volta.
O seu primeiro Estatuto, datado de 1691, definia a sujeição ao Patrono, preceituava as formas obrigatórias de culto, condicionava o recrutamento sob as duas premissas essenciais que eram: ser escolar, ser solteiro e participar nas solenidades exibindo o hábito e as insígnias; capa e batina ou casaca, com fita branca e medalha com a efígie do Santo, ao peito.
Como todas as Irmandades, desde logo a iniciativa que se impunha era a construção e dotação de Capela própria; neste caso a regra fez lei e o juiz e oficiais logo cuidaram de erigir a sua sede de reunião e culto, à semelhança e em perfeita concordância com os costumes do tempo. O primeiro problema terá sido o do local, mas tudo leva a crer que isso foi o mais fácil, visto que ela veio a implantar-se sem demora na própria Igreja da Colegiada, certamente com o beneplácito do D. Prior e do seu colégio cabido, homens também' dedicados ao ensino e por isso apoiantes liminares da ideia.
O segundo óbice foi naturalmente o dos meios.
Servimo-nos então de uma citação de A. L. de Carvalho no seu «O S. Nicolau dos Estudantes» que ele extraiu do Inventário Geral da Colegiada:
«A Capela de S. Nicolau fizeram-na os Estudantes desta Vila e outros devotos de dinheiro q. ganharam em comédias e danças q. por devoção do Sto. e augmio da Capela aceitavam o dr. (dinheiro) q. lhe davam».
Como se depreende, aos irmãos era recomendada a participação em representações teatrais e outros festejos de carácter profano só e apenas com o objectivo de recolher donativos para a obra. Estes espectáculos, naturalmente ruidosos, com máscaras e baile, por vezes, como é de admitir excedendo a moral do tempo, chegaram a ter lugar dentro da própria Igreja da Colegiada, como se comprova com as alusões e censuras registadas nos Livros de Visitações periódicas feitas pelos prelados e outros dignitários, quais inspectores rigorosos do culto e dos costumes!
Uma coisa parece contudo ter ficado provado nas investigações de alguns vimaranenses; é que os estudantes de Guimarães jamais deixaram de fazer teatro e a data do 1. ° De Dezembro era a mais privilegiada por ser comemorativa da Restauração.
Quem a fez e a data exacta da sua abertura ao culto não fomos capaz de saber, o que pudemos colher foi o seguinte tirado da «Corografia Portuguesa» do Padre Carvalho da Costa, numa descrição que faz sobre a Igreja da Oliveira.
«Abaixo da porta, que vay para a Sacristia, no lado da parede da parte do Evangelho se abriu hum areo de pedra para a Capella de São Nicolao Bispo, que instituirão os Estudantes daquella Villa (Guimarães), & a fabricam por sua Confraria: he toda azulejada de abobada de pedra apainelada com o corpo fora das paredes, & no frizo do arco hum letreiro, que diz: Esta Capella mandarão fazer os Estudantes desta Villa no anno do Senhor de 1663, abaixo delia está a porta travessa desta Igreja, que vay para o norte, & tem a sua serventia para a Praça».
Esta nota tem o grande mérito de nos elucidar quanto ao valor e importância arquitectónica do imóvel em si: efectivamente possuir uma cobertura em abóbada de pedra apainelada, com' molduras e frisos ao gosto do século XVII e ainda todo um revestimento das paredes em azulejo da mesma época, são indicadores de que não se tratava de uma construção banal, que facilmente entrasse em ruína e sujeita à acção demolidora do tempo.
Seria muito interessante continuar a desenvolver as várias facetas de toda esta tradição ligada à Irmandade de S. Nicolau, até porque ela foi a precursora da Festa Nicolina a que vamos assistindo todos os anos com início a 29 de Novembro e fecho a 6 de Dezembro, dia do Santo, como1 dissemos.
Não, agora o nosso propósito não é fazer essa história. Ela está praticamente feita pelos nossos monógrafos a começar pelo Padre Ferreira Caldas e pelo1 Padre Gaspar Roriz e a acabar em Alberto Vieira Braga e no já citado A. L. de Carvalho, que tivemos o gosto de conhecer bem.
Interessa-nos, sim, a Capela, o imóvel que faz parte do património cultural de Guimarães.
Pela leitura do último Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, onde circunstanciadamente e com rigor científico se desenvolvem as várias fases da obra de restauro da Igreja da Oliveira, pudemos colher os dados exactos quanto à localização nas plantas do levantamento feito antes do início das obras e do seu completo desaparecimento, sem explicações, no final da obra!
De pergunta em pergunta, passando pelo Priorado, e ouvindo pessoas mais velhas, logo concluímos que a Capela de S. Nicolau não tem merecido o respeito que lhe era devido, tanto na ordem espiritual como na ordem material. Foi pura e simplesmente suprimida!
Ela ocupava parte do espaço, ora livre, naquele beco que ficou à ilharga esquerda da Igreja da Oliveira, espaço que só tem servido para agravar o mau ambiente que se vem gerando à volta do monumento constituindo campo livre para jogos mais ou menos inconvenientes do garotio e vazadouro de lixo do local.
Não tinha ultimamente acesso à Praça porque se lhe antepunha um prédio que também foi demolido. A sua entrada, protegida com um portal de ferro ficava directamente voltada para o corredor que da sacristia dá acesso à torre, não apresentando por isso dificuldades quanto ao restauro, isto é: se lá tivesse ficado em nada ficaria prejudicada a obra realizada.
Não ficou, mas também não houve coragem de destruir os materiais da demolição porque esses a título provisório e a estorvar estão no páteo extremo do Priorado.
Ficou a promessa de reconstrução? O altar em talha e a imagem do Santo também estão a salvo por iniciativa da pessoa que sempre alimentou e alimenta ainda a esperança de a ver salva e nos disse ter insistido, pacientemente, com o departamento estatal para se cumpra uma promessa feita.
As tradições vimaranenses e a velha Festa Nicolina exigem que não se esqueça esse compromisso, não só porque a Capela de S. Nicolau é imprescindível, em Guimarães como também, porque tal realização não é assim tão difícil de concretizar no que respeita à sua implantação, aparentemente a sua maior dificuldade.
Há várias sugestões e a nossa seria recolocá-la em seu lugar virando a porta para o Largo da Oliveira. Conseguia-se assim mais um segundo objectivo que era o de acabar com o tal «rechio» indecoroso.