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1949 Pregão Académico [Impresso] / Jerónimo de Almeida. Guimarães:[CFN], 1949(imp. Tipografia Antunes).- [1] f. desdobrável; 27x34 cm. Impresso s/ papel vermelho, outro s/ papel amarelo. Dois exemplares

Recitado por

Em 1949, já sexagenário, Eduardo de Almeida escreve novo pregão. Quem o leu foi António Abel Leite da Silva Lopes, então estudante do 5.º ano do Liceu, de quem o autor destas linhas viria a ser, muitos anos mais tarde, ser amigo e admirados. O texto é composto por 39 quadras.

Aqueles eram dias em que a crise económica e a ameaça de guerra ainda pairava sobre o Mundo, mas em que havia esperança em dias melhores.

A crise há-de passar, se Deus quiser!
E ainda que todos não sejamos ricos.
Hão-de empregar-se esforços mais profícuos
Para todos, em paz, poder viver!


Festas Nicolinas Vimaranenses
PREGÃO ACADÉMICO
RECITADO EM 5 DE DEZEMBRO DE 1949
pelo aluno do 5.ºano
António Abel Leite da Silva Lopes


Antigamente, os nossos bisavós
Pareciam viver mais satisfeitos
Sem estarem ainda, então, sujeitos
A que um avião caísse sobre nós!

Era o tempo em que quase toda a gente
Sentia gosto em caminhar a pé.
Mas amando, talvez com maior fé;
O Berço em que nascera Gil Vicente!

Nesse tempo ainda o Largo do Toural
Não se encontrava, como hoje, assim.
Mas cercado das grades do Jardim
Que à noite se fechavam, por sinal!

Era o tempo em que o próprio D. Afonso
Não sonhara, sequer, o pesadelo
De ir morar, outra vez, junto ao Castelo
Depois de ouvir o último responso!

Ainda a Estrada de Fafe, entre cimalhas,
Estava longe de que a Luz Eléctrica
Iluminasse, em linha bem simétrica,
O sombrio negrume das Muralhas!

Uns escassos e tristes candeeiros
Rompiam, frouxamente, a escuridão,
Sem que à Porta da Vila ou Paio Galvão
Fosse mister a voz dos sinaleiros!

De bom humor e entre sorrisos francos,
Guimarães ia até Campo da Feira
Ouvir cantar alguma lavadeira,
Sentando-se no chão, por não ter bancos!

Enquanto que S. Pedro e mais S. Paulo,
Tão amados apóstolos de Cristo,
Como num sonho bíblico imprevisto,
Se coroavam dum divino halo!

Era o tempo em que poucos atractivos
Nossos olhos deixavam meio absortos.
Respeitando-se mais, então, os Mortos,
Do que hoje se respeitam mesmo os Vivos!

Havia ainda alguma Paz na Terra!
Nem os homens, com fúrias de chacais,
Ruminavam os ódios infernais
Que o Mundo trazem em contínua guerra!

Doce tempo em que ainda NICOLAU
Olhava para Nós com indulgência,
Habituado à dura penitência,
Como Santo, a sofrer tudo que é mau!...

Mas o Mundo tem dado tanta volta,
Envolve-o  ainda um tão medonho caos,
Que nem que houvesse 20 NICOLAUS
Fariam tréguas a uma tal Revolta!

Permita Deus que dias mais risonhos
Venham raiar à pobre Humanidade,
Para que o sol doirado da Verdade
Também aqueça os nossos próprios sonhos!...
*
Guimarães! tua fama nunca morre!
Pois basta-nos fitar essas ameias
Para sentirmos palpitar nas veias
O sangue dos Heróis que nelas corre!

Cada Rua que tens é um monumento
E cada pedra uma sagrada relíquia,
Que o sol as doire, e a Pátria vivifique-a
Todo o calor do nosso pensamento!

É preciso, por isso, venerá-las,
Sem as deixar ruir com falsos pingos,
Tal como aconteceu em S. Domingos
Crivado, lés a lês, de rudes balas!

S. Francisco escapou à derrocada...
Enquanto, agora, aqueles capitéis
Ouvem as preces desses bons fiéis
Erguendo ao céu a alma extasiada!

Louvado seja Deus! Valha-nos isso!
Nem tudo pode ter a mesma sina
Só a atrair as aves de rapina,
Às negras asas do pior enguiço!

Parabéns à briosa Direcção
Da Casa de Sarmento, cujas obras
Nos dizem, Guimarães, como recobras
Depressa o jus à nossa gratidão!

É preciso que nada nos detenha
No desejo de ver, por toda a parte.
Um pouco mais desse carinho e arte
Que deve enfeitiçar-nos lá na Penha!

A Penha é um paraíso entre arvoredos.
Cercada de formosos panoramas
Acendendo em nossa alma etéreas chamas.
Junto àqueles altíssimos rochedos!

Mas carece, talvez, de melhor gosto,
E diante daquela Natureza
Não se adornem, com graças sem beleza.
Tudo quanto já Deus lá tinha posto!

É preciso, ao chegar-se lá ao alto,
Não nos engane aquele paraíso
Que acenara, de longe, num sorriso
Enchendo o nosso olhar de sobressalto!

Mas Guimarães confia, no entretanto,
Em que tudo assim há-de acontecer.
Para mais agradar a S. Gualter
Que o Berço da Nação festeja tanto!

Com a longa estiagem que se deu,
A famosa e tão linda Fonte Santa
Que tanta água jorrava, já não canta,
À espera que ela caia lá do céu!...

Confiemos que nada te amedronte.
Que nada, Guimarães, te ponha entrave,
Até que passe aqui o Rio Ave
Por entre os arcos duma bela ponte!

E desprezando os altos botaréus
Donde, outrora, ias ver nascer o sol,
Verás jogar agora o futebol
Das janelas dos teus arranha-céus!...
*
Ò Anjos do Senhor! Flores sempre belas!
O vosso olhar nos prende e nos conforta
Quando, ao passarmos pela vossa, porta.
Apareceis, a sorrir, nessas janelas!

O nosso coração é todo vosso
E a nossa Mocidade vos pertence.
Ninguém ouse afirmar, que ninguém pense
Que o amor do Estudante é uma troça!

Nós bem sabemos que, hoje, sois Doutoras,
Diplomatas. Ministras - eu sei lá
O que sereis no dia de amanhã
Assim a progredir todas as horas!

O que há-de ser do Lar?! Quem o protege?!
Quem há-de olhar, enfim, pelos bebés.
Se eles andarem só aos pontapés.
Sem ter quem os afague ou quem os beije?!

Se um dia fordes mães, fordes esposas,
Não esqueçais que a vida tem espinhos,
E até as aves? enlaçando os ninhos,
Ferem as asas ao tocar as rosas!...
*
Há quem se espante de que o povo gema.
Pois nesta lida pertinaz e insana.
Trabalhando três dias na semana.
Não chega para ele ir ao cinema!

Todos nós precisamos ter paciência
E pôr, enfim, o coração ao largo.
Que, às vezes, o destino é bem amargo,
Só nos pode valer a Providência!

A crise há-de passar, se Deus quiser!
E ainda que todos não sejamos ricos.
Hão-de empregar-se esforços mais profícuos
Para todos, em paz, poder viver!

Existe muita gente, neste mundo,
A pensar na Riqueza, unicamente.
Mas Deus que é Pai de todos, certamente
Tem pelos pobres um amor mais fundo!...
*
Cesse tudo o que agora tenho dito
E tudo o que ficou pelo tinteiro!
Que sempre NICOLAU seja o primeiro
A proteger-nos lá no Infinito!

Cá na terra é o mártir do SAMPAIO
Que envolvido no manto da Saudade,
Vem emprestar à nossa Mocidade
O calor ideal do sol de Maio!

O Mocidade estudiosa, alerta!
E levantando com firmeza o braço.
Faz tal vento sibilar no espaço.
Que deixes Guimarães de boca aberta!..

Jerónimo de Almeida

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
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