Arquivo: Pregão de 1942 - Pregão da saudade

O Pregão da Saudade, de Delfim de Guimarães, dedicado a José de Pina.

No dia 6 de Dezembro de 1942 foi declamado um segundo pregão, durante um banquete de homenagem ao Professor José Luís de Pina, reitor do Liceu Martins Sarmento, que se aposentara nesse ano, depois de meio século de docência. Este pregão foi escrito por Delfim de Guimarães e foi lido por Jerónimo Sampaio, quase meio século depois de ter recitado o pregão do ressurgimento das festas dos estudantes de Guimarães, no ano de 1895. Neste Pregão da Saudade, o autor intercala no seu texto trechos dos pregões de 1895 e 1897, escritos por Bráulio Caldas.


O PREGÃO DA SAUDADE

Declamado em 6 de Dezembro de 1942 pelo Velho estudante aposentado Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio — em homenagem a José Luís de Pina pela sua aposentação de professor do Liceu de Martins Sarmento.

O PREGÃO DA SAUDADE
(Com excertos dos Bandos Escolásticos de 1895 e 97 do Dr. Bráulio Caldas)

É o “Pregão da Saudade”, o último, Zé Pina!
É o derradeiro adeus à Festa Nicotina,
Que nós, os menestréis, os de alma grande e forte,
Cantamos como o cisne ao pressentir a morte...
Não tem o meu “Pregão”, nas setas e nas chamas,
Amor que fira e queime os corações às Damas
Lindas da Terra Nossa — É  um “Pregão” leveiro,
Que não roça, sequer, a cútis do caixeiro,
Nem diz um galanteio à tricaninha arisca...
É Prece que o azul da imensidade risca
E vai numa ascensão de vôos fulgurantes
Beijar ao pé de Deus os velhos estudantes.
Todos os que lá estão, na Olímpica Morada,
A ouvir do Bráulio a lira, a sempre lira amada:

“Musas de Anacreonte — abri-nos os salões
E referva o Champanhe em doces libações...
Confeitos e missanga e o fino e puro e terno
Que Horácio tanto amou nas vinhas de Falerno,
Para que nós sem perder o tino à galhofeira
Possamos dar mais brilho à nossa brincadeira.”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“E o Velho —o  Latim, de barba amarelada,
De óculos a meio pau, fungando uma pitada,
Remorde-se de inveja e chora e faz pirraças
Ao discípulo que toca e dança e diz chalaças.”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Companheiros partir... que rufem os tambores,
Saudemos Guimarães, este jardim de flores.”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Tempos que já lá vão! Nós eramos rapazes,
A Primavera em flor de sonhos bem fugazes!
A Festa a Nicolau, então, era diferente:
— Inda a manhã dormia e já andava a gente
De caixa, de zabumba e na alma a devoção
Das preces da novena à Virgem Conceição.
Tomava-se água de unto em malgas, fumegante,
E ia uma caneca, às vezes, do rascante...

O Pinheiro! o Magusto! a Roubalheira! as Posses!
As Danças! o Pregão! as Maçãzinhas doces,
Onde a harmonia, a verve, a jorros se cruzavam.
Onde o aprumo, a linha, em tudo, sobejavam…

Ai! que saudade, Zé, das Capas e Batinas,
Dos companheiros bons das Festas Nicolinas...
Eu vejo-os na retina, espíritos gentis,
O Álvaro, o Abreu, o lírico Roriz,
O Campos, o Queirós, o Pádua e tantos, tantos,
Alguns, sabe-se lá! no outro mundo santos…
Ouço-os ao pé de nós, a todos, em redor,
A saudarem da calma o velho Professor,
O Pina aposentado, o Mestre de talento
Do velho Seminário — hoje Liceu Sarmento.

Pelos Mortos o silêncio eu peço dum minuto,
Mas silêncio profundo. É o último tributo,
É a funda saudade, imensa e recolhida,
A suprema Oração a quem se amou na vida.
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas tornemos à vida a reflorir lembranças…
Que cante o Menestrel das Andorinhas Mansas:

“Nicolau, nosso amor, Nicolau, nosso bem,
Que tua fama vá por ésse mundo além,
Pois basta o nome teu, que a todos nos ensina,
Para dar sota e az à gente pequenina...
Silêncio, que a um só gesto audaz da Academia
No espaço treme a lua, na terra ninguém mia.”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..
“Rebeldes duma figa... apóstolos de Kikero
Que quiseste manchar o túmulo de Cícero,
Crismando os C C em K K, mudando a língua à voz,
—Latim de Ki-ke-ri-kis, latim Ko-ke-ro-kos!”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“ Tricanas... rouxinóis dos nossos-pátrios lares...
Saudai a nossa festa em cantos populares...
Vós, que tão bem cantais, correi alegremente,
Brindando a Nicolau numa harmonia quente.”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
“Vós, senhoras gentis, de pura e fina raça,
Fidalgas de solar, cheias de mimo e graça,
Vós, todas, ó gentis da terra que adoramos,
Escutai, recebei o brinde que vos damos.
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
É posse, é obrigação dar-vos as maçãzinhas,
Esses pomos de amor, perfeitas, coradinhas.”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

“Guitarras que gemeis em lúbricas toadas,
Suavíssimas canções de uma ternura infinda
Mandai no sol poente, as últimas baladas
Da saudade, do amor, em que este bando finda.
— Guitarras da boémia, eu sou o vosso aio,
Chorai quando eu morrer!... Rezai pelo Sampaio!...”
. . . . . . . . . . . . . . . . .  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

Cumprida esta missão, aqui, de vivo ardor,
Vai para vós minha alma, ó Mocidade em Flor!
Que vós não olvideis, que vós nunca esqueçais
A Festa que já foi dos pais de nossos pais!

Vai Findar o Sampaio, agora, este Pregão
De reverência ao Pina, ao Mestre consagrado!
Deixai-o dar ao Mestre um xi do coração
Ardente, fraternal — um xi muito apertado!


DELFIM DE GUIMARÃES

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
Um blogue de
António Amaro das Neves
Guimarães:Minho:Portugal
araduca@gmail.com
(c) Todos os direitos reservados | 2007-2013
desenvolvimento 1000 Empresas