Arquivo: Pregão de 1942

Bando Escolástico [Impresso] / Leão Martins.-Guimarães: [CFN],1942 (imp. Escola Tip. das Oficinas S. José) .- [1] f.desdobrável: il.; 25x29 cm. Impresso s/ papel verde. Existem dois exemplares um deles com dedicatória do autor. Com o desenho de José Luis de Pina, por Abel Cardoso.

Recitado por Mário Dias de Castro

Em 1942, o pregão homenageou o reitor do Liceu e entusiasta das Festas Nicolinas José Luís de Pina. O pregão, escrito por Leão Martins, foi-lhe dedicado. Foi lido por Mário Dias de Castro. É, uma vez mais, um hino em defesa da continuidade das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau, contratriando as vozes que recorrentemente anunciavam a sua morte:

Pode o Mar dar repolho e a Terra bacalhau,
Não morrerá a Festa em honra a Nicolau!

No Catálogo da Exposição Bibliográfica de Autores Vimaranenses de 1953, preparado por Alberto Vieira Braga e Mário Cardozo, da entrada referente a António Leão Martins consta o seguinte:

Poeta satírico e autor de vários “Bandos Escolásticos” e Testamentos de Judas. Colaborou em alguns jornais do Rio de Janeiro, onde viveu bastantes anos. Filho de Joaquim Justiniano de Araújo Leão Martins e de D. Maria do Carmo Gomes Martins. Nasceu em 5 de Julho de 1894 na freguesia de S. Torcato, e faleceu a 7 de Setembro de 1950, em Massarelos (Porto).


Bando Escolástico
Recitado por
Mário Dias de Castro
em 5 de Dezembro de 1942

AO
Exmo. Snr. José Luís de Pina
Ao seu carácter
                         À sua Inteligência
                                                       E ao seu Prestígio

“Enquanto em Guimarães houver um estudante”
A Festa a Nicolau jamais pode morrer;
A turba gritará: — Avante! avante! avante!
Matar a tradição — cegos! — não pode ser.
Sentimo-la cá dentro e bem, é toda nossa,
Herdada dos Avós, pura e original.
Dedicamos-lhe amor, vivemo-la com troça,
Outra assim não se encontra em todo Portugal.
Pode o Mar dar repolho e a Terra bacalhau,
Não morrerá a Festa em honra a Nicolau!
* * *
Deixai-me recordar JOSÉ LUÍS DE PINA
O nosso Grande Mestre, o Ilustre Professor
— Um Coração aberto, e Alma diamantina, —
Que para nós tem side um Santo, um Benfeitor!

Quem não Te glorifica, Artista sem vaidade.
Modesto a mais não ser e bom como nenhum?
O Soldado da Paz, do Bem, da Humanidade,
Na lista cá da Terra estás em número um.

E sendo como és um Cidadão perfeito
E duma tal bondade intensa e sem limites.
Eu julgo ser de mais, e enorme o teu defeito.
Embora tu, ouvinte, em mim não acredites.

Estudos, concepção de carros alegóricos
Nas Festas da Cidade e Entradas do Pinheiro,
Temas regionais, ou assuntos históricos.
Arrancam-te ovações e vivas e berreiro!

Elevar Guimarães é todo o teu pensar.
A Penha conta em ti o verdadeiro Amigo.
És para nós um Pai, difícil de encontrar.
Atento e canseiroso e sem um inimigo!

Impossível focar JOSÉ LUÍS DE PINA
Como exímio Bairrista e prudente Reitor,
Poderoso auxiliar da Festa Nicolina,
O nosso melhor guia e sábio orientador.

Despido de ambições, vaidades ou cobiças.
Sempre nos desculpaste as faltas e os pagodes;
Pintaste-nos, Santo Deus! centenas de suíças.
Olheiras e sinais e peras e bigodes...

O douto Professor vai ser homenageado
Como preito e justiça em nosso coração;
Seu busto ficará, no Liceu, coroado
De louros e flores mil — eterna gratidão!
* * *
COVAS vai possuir novo melhoramento
— Uma Estação moderna a pedir parabéns: —
E nós, na Parvónia, em duro esquecimento,
Protestando e ladrando à Lua como cães...
* * *
Meninas: escutai o pobre pregoeiro
Que não comunga, não, nos vossos ideais;
O amor se ainda existe é brando e passageiro.
Não passa duma lenda, um conto e pouco mais…

Pretendeis, reconheço, um futuro de sorte,
E a mocidade de hoje entrou em nova escola;
Se o coração bater, bate pelo desporte
Da dança e do cinema e do jogo da bola...
* * *
Desejo aqui traçar, de leve e com saudade,
A reles cabulice à nova mocidade.
Estudantinho houve, amando tanto os bancos.
Que deixou o Liceu já de cabelos brancos...
Se zaragata havia entre nós e o futrica.
                                         Na rua ou num retiro.
De maçaneta em punho o Álvaro Casimiro
                                         Mandava-o à botica.
O João Campos armado (um frágil marmeleiro),
Impunha o mor respeito a qualquer cavalheiro...
                                         Um frio de rachar,
E de cada castanha ouvia-se o cantar...
Paro com ror o quadro e as belas patuscadas,
O velho João Artur chorava às gargalhadas...
Guardava e cozinhava um furto de galinhas.
Com infinda paciência, a boa Seráninhas.
E às noites — quanta vez! — se o bando reunia
À volta da lareira ó ceia consolada! —
Espírito e chalaça! — a guitarra gemia
Nas mãos do Zé Roriz, até de madrugada..
* * *
Era assim, era assim… E como tudo passa!
Sabia-se viver com arte e muita graça!
* * *
Do burgo a frontaria em breve se transforma.
Terá moderno aspecto, ou seja nova forma
                                         (Um quadro de revista
                                         De efeitos triviais)..
Não façam mais gaiolas, não comprem a alpista
Para canários, pintassilgos e pardais...
Em vez da passarada, aos cantos das janelas,
E de verdes, flores em vasos e panelas,.
Coloquem à sacada um orfeão a cantar,
De galinhas, capões, suínos e coelhos...
                                         — Quem não há-de gostar,
                                         Ó meus amigos velhos,
                                         Se o costume faz lei,
                                         Entre aplausos gerais do Tónio e sua grei?
* * *
Comboios, hoje em dia, um caso muito sério,
E à falta do carvão sofrem da falta de ar...
Em compensação, porém, qualquer ciclista aéreo
Põe-nos, sem mais porquê, de pernas para o ar…
E já os automóveis, lindos e elegantes
                                         (O que a ciência faz!)
Galgam as ruas e as estradas ofegantes.
                                         Com a mochila atrás…
* * *
Quem quiser ganhar dinheiro,
Em ramadas, tem a prova;
Pode ficar brasileiro.
Sem sair da Rua Nova.
* * *
S. Romão de Mesão-Frio sentiu calor.
Foguetório e discurso, e vivas de energias...
Podimos a Belmiro — ousado e sem temor, —
Que não se esqueça, não, das outras freguesias.
* * *
Ouvi dizer, não sei. Ao miolo me veio
E oxalá seja assim e a nova se mantenha:
— Que vai para o Turismo o Carro do Correio
— Caminhe tu de luxo a engrandecer a Penha!
* * *
Teremos breve telefones automáticos
                                         — Conquista entre conquistas! —
Adeus, frases de amor! ditos melodramáticos!
                                         — Lindas telefonistas!...
* * *—
Que? — Como? — Diga lá... — Que não declamo bem
                                         E olha-me de soslaio?
Critica, ri, confronta e diz — ainda ninguém
Suplantou no “Pregão” o Jerónimo Sampaio?
                                         Agradeço o reparo.
— Sampaio, meu amigo, é um objecto raro!
* * *
Os Paços do Concelho — os novos e os antigos —
Condenados estão a suportar castigos.
                                         — Por que não derruí-los,
Construir um Palácio, assombroso em estilos?
* * *
Ó velho casarão de D. Afonso Henriques:
Nada tenho que ver em que arranjado fiques
                                         Por uma ninharia,
                                         Por tão pouco dinheiro…
— Gostava de saber o rumo que teria
A lápide do grande actor Chaby Pinheiro?
* * *
Uma vez (sei lá quando!) um grupo nicolino
Resolveu divertir-se com aprumo e tino.
Apadrinhava o bando o António Beiçarola
Que. munido de um gancho, um fio e uma graçola,
Conversa a toucinheira e, de um puxão com arte,
A cabeça de porco ei-lo que salta e parte
À ordem do cordel... E, sem mais aquela,
A presa, ensanguentada, entrava na panela.
Ou fosse na Pescoço ou fosse no Terrinha
Houve lauto comer sem osso nem espinha.
— Que farsa, santo Deus! Brindes e parabéns
Tocando, a cada Velho uns míseros vinténs!
Saudoso tempo! a vida era risonha e boa!
Havia carne e peixe, e trigo e muita broa.
Ovos e cereais, batata com fartura,
Azeite e bacalhau, tomates e verdura,
Manteiga deliciosa, açúcar do branquinho;
E para tudo compor, o decantado vinho.
Espumante palhete, a dar-nos alegria...
Ora a gente chorava... ora a gente sorria…
E tudo, tudo isto sim, quase de graça.
— E como o tempo voa! e como o tempo passa!
Mas (ele há sempre mas...), é ver S. Benedito
Que não come nem bebe, anda sempre gordito.
* * *
Rapazes, meus irmãos, poupar e produzir
É dever que se impõe, devemo-lo cumprir.
Bons obreiros que sois, e colegas excelentes.
Atendei meu apelo e sede obedientes.
Mas sob a condição: produzir a valer.
Para que no final vos saiba agradecer.
Não economizeis a força, a energia,
                                         E rufai com ardor,
                                         Com tanta valentia,
Que fiquem sem conserto o bombo e o tambor.
— Imitai um trovão, descargas, trovoadas,
Com bombas a estalar de duas toneladas!

Porto, Dezembro de 1942.
LEÃO MARTINS

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
Um blogue de
António Amaro das Neves
Guimarães:Minho:Portugal
araduca@gmail.com
(c) Todos os direitos reservados | 2007-2013


desenvolvimento 1000 Empresas