Arquivo: Pregão de 1870- Estudantes "Modernos"
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[Impresso]/R.D.-[Guimarães: s.n.],1870.-[1] f.; 21x20 cm. Impresso s/ papel lilás
Recitado por António Joaquim de Souza Agra |
Para percebermos o que acontecerá no ano de 1870, no que toca às festas dos estudantes a S. Nicolau, faz sentido regressar um pouco atrás, ao ano de 1868. Na tarde do dia 6 de Dezembro desse ano, dia da entrega das maçãs (que aconteceu de manhã), saíram à rua as danças, com “dois bailes e algumas exibições”. Na edição jornal Religião e Pátria que saiu no dia 9, a notícia sobre os festejos da academia vimaranense desse ano terminava assim:
Destas [exibições] tornou-se notável a que aludia ao passado esplendor destes folguedos, e à palpável decadência deles nestes últimos anos. Vestiam de luto alguns mascarados, acompanhando, de archotes acesos, campainhas soando lugubremente e tambores cobertos de crepe, um carro em que vinham outros mascarados, um dos quais recitava uma poesia que vai publicada em outro lugar.
Esta exibição, mal interpretada, ofendeu algumas briosas susceptibilidades, que à noite se apresentaram na rua recitando uns versos insultantes e desbragados. A autoridade, conhecedora disto, interveio, fazendo recolher os que por este modo andavam provocando desordens. Honra lhes seja por isso,
E deste modo finalizaram os folguedos escolásticos que, como se vê, tiveram este ano mais animação que nos anos anteriores.
Estavam lançadas as sementes da dissensão que se iria manifestar em 1870.
A poesia de que fala a notícia do Religião e Pátria é a que vai abaixo, versando um tema que será recorrente ao longo das décadas seguintes: a iminência da morte das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau.
À mortal decadência
da festa do S. Nicolau
Por entre as alas de inquietos vultos,
Que evocam do sepulcro a grã princesa,
Escoam estas sombras, não sepultos
Os restos dessa antiga realeza…
Sabeis já quem morreu...? oh! sim foi ela!!
A virgem coronal, a Virgem bela!
Nascida da ciência e da alegria,
Viu tronos baquear, gemer reinados;
Viu à pátria faltar a luz do dia,
Viu sábios a correr de alienados;
Viu guerras devastar o pátrio solo,
E a virgem não caiu... ergueu seu colo!
Mas ai! festa escolar, por ti, amor,
Tributo de saudade o peito anima;
Tristonho funeral, intensa dor
A sorte que tiveste aqui lastima!
= Mas se além do sepulcro alta nobreza
Te cabe inda por glória do passado,
Não queiras lá na campa uma vileza,
– Da terra ergue teu braço descarnado,
E mesmo morta, repele, ò cara amante,
Profano versejar de algum pedante!
– Se a frase lhes doer, tenham paciência;
É a mágoa, é o orgulho da ciência!
Os filhos de Minerva, a morte escura,
Com duplicado dó vão prantear;
Às damas que os amavam com loucura
Seu delirante amor patentear,
E a ti flor de lágrimas formada,
Que por eles, qual foste, inda és amada!
…………………………………………
Vós, gémeas da beleza, sabeis quanto
Era o afecto nosso deste dia…?
Por certo não esqueceis, lembrais o encanto,
“Onde o menino as almas acendia”.
Pois tudo tem seu fim; a lei mesquinha.
Nem os pastéis poupou da Joaninha!
Lá se vai de maçãs a grata oferta
Em que amor os segredos ocultava!
Não se lembra, menina, há-de estar certa
Do que dentro do pomo se encontrava?
Pois até nos vão levar este caminho,
Por onde a pega já fez e faz seu ninho!
…………………………………………
Correi por esta festa já mirrada
Ò tristes, bem sentidos prantos meus;
Carpideiras, erguei voz magoada,
– À virgem coronal dizei… adeus!
Tambores esconjurai quem à finada
Vier prantos votar de fariseus,
Que na campa em palmito, tem capela
Quem como ela viveu, morreu donzela!
O Vimaranense, n.º 545, 7.º ano, Guimarães, 11 de Dezembro de 1868
As festas a S. Nicolau do ano de 1870 foram marcadas por desavenças entre os “estudantes modernos e veteranos”. No jornal Vimaranense, escrevia-se a 18 de Novembro:
“Os filhos de Minerva, deusa da ciência e da guerra, parece que preferem a última.”
Nesse ano houve duas comissões de festas e as dissensões entre os estudantes levaram a que se temesse pela ordem pública, levando o administrador do concelho e o comandante do Regimento de Infantaria 6 se viram obrigados a intervir como mediadores.
Vai daí, de 1870 conhecemos três pregões.
Neste ano, a festa, por força de tanta animação, foi classificada na imprensa como “excepcionalmente brilhante”.
Um dos pregões foi escrito por alguém que se assina como R. D. e foi declamado por António Joaquim de Sousa Agra.
BANDO ESCOLÁSTICO
Recitado no dia 5 de Dezembro de 1870
POR
ANTÓNIO JOAQUIM DE SOUSA AGRA.
De Lícia filhos, amados portugueses.
Madrilenos, prussianos e franceses,
Habitantes da Zona e Equador,
Escutai o soar desse tambor,
Que vai de Guimarães até Lisboa,
A Londres, a Pequim e mais a Goa
Anunciar um dia sem igual,
De Nicolau o dia festival,
Em que vereis função maior que dantes,
À custa dos pequenos estudantes,
Mas tão grande que os velhos vão dizer
“Festa assim nunca mais vimos fazer”.
Nosso programa é grande, é imponente.
Nem se pode dizer a toda a gente.
- Em cavalgata linda e estrondosa
Andará a mocidade estudiosa
Percorrendo as ruas e as praças,
Entretendo a todos com chalaças.
Há-de ser um bom dia de venturas
Sem haver da tristeza as amarguras.
Mas e a dama as tiver por um momento,
O estudante dar-lhe-á medicamento.
Parcas lindas, e belas, e formosas,
Ou sejam sanguíneas ou nervosas,
Moléstia de há muito em moda usada.
Mas ainda até hoje não curada,
Só o estudante neste dia goza
Um remédio, mezinha milagrosa,
Que a todas as sara das bexigas,
Força de sangue, flatos e lombrigas.
No pomo que lhes dá pela manhã,
E que o papá julga ser linda maçã,
Vai lá o coração e vai o amor,
Tudo mais que para as damas for melhor.
E depois pelas praças da cidade,
Dançará a flor da mocidade,
Danças novas, prussianas e francesas,
Russianas e turcas e inglesas,
Tudo isto com brio e gosto novo,
Que espante a fidalguia e mais o povo.
Agora uma coisa ainda resta,
É notar o privilégio desta festa.
Que não haja atrevido ou tratante,
Que venha cá sem foros de estudante.
Nós temos um carvalho ou um sobreiro,
Para todo o atrevido ou brejeiro.
Que tentar vir meter os seus focinhos,
Na festa de estudantes pequeninhos.
Apesar de pequenos, são estudantes,
Têm forças e braços de gigantes
Para dar cachafundos ao nariz
Do palerma!.. do Toural no chafariz.
É esta a pena que a história atesta
Privilégio adido a esta festa:
Excepto se a santa liberdade
Quiser roubar tal gozos à mocidade.
Agora, eia, filhos do estudo.
Com bombos e tambor atroai tudo,
Que ninguém duvidar ainda possa
O quanto vale e pode a gente nossa.
Estudantes, olhai para as janelas,
E fazei a despedida às damas belas.
Eu ao povo e a suas Senhorias
Desejo boas tardes ou bons dias.
R. D.
Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
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