Arquivo: Pregão de 1867
 
 
   
     
      |  | [Impresso] / José Felgueiras.-[Guimarães:CFN],1867.-[1] f.;21x19 cm. Impresso s/ papel lilás.-Três exemplares, um deles restaurado com fita cola. [Manuscrito] / José Felgueiras.In: [Bandos Escolásticos].-1817-1872.-f.35v.-36.
 
 Recitado por Nicolau Máximo Felgueiras
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O programa do dia 5 de Dezembro de 1867 das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau , foi anunciado na véspera, no jornal Religião e Pátria, numa notícia breve:
 
Mascarada. – É amanhã o primeiro dia dos festejos escolásticos. Na madrugada há-de fazer-se o magusto costumado na praça do Toural e colherem-se todas as posses. De tarde, sairá um bando a anunciar a festa, o qual será recitado pelo nosso amigo o snr. Nicolau Máximo Felgueiras. 
 
Religião e Pátria, n.º 14, 7.ª série, Guimarães, 4 de Dezembro de 1867. 
 
 
 
O pregão deste ano ficou entre irmãos: foi feito por José Felgueiras e recitado pelo seu irmão Nicolau Máximo Felgueiras. 1867 é o ano em que encontrámos no pregão, pela primeira vez, referência à tradição de, em dia de S. Nicolau, os estudantes irem às freiras [de Santa Clara] a pedir encartuchados /Os doces dessa antiga costumeira. 
 
 
 
BANDO ESCOLÁSTICO 
 
RECITADO NO DIA 5 DE DEZEMBRO DE 1867
 
POR NICOLAU FELGUEIRAS,
 
 
 
É lei, é mais que lei, verbo sagrado
 
Para o jovem às ciências dedicado,
 
Livrar da fria mão do esquecimento
 
O clássico dever do cumprimento:
 
Antes, pois, de mais nada eu vos saúdo:
 
– Vivam damas e nobres... viva tudo!
 
 
 
Agora, em torno a mim de boca aberta,
 
Venham todos – e ouvido bem alerta!
 
Que o programa; que a lei desta função
 
Não é balofo estilo de truão,
 
Nem promessa falaz de candidato
 
Que passe da mudez ao pareato...!
 
E o édito legal, fiel desenho
 
Do festim escolar, no qual o engenho,
 
O donaire com graça e gentileza
 
Bem prescindem de luxo e de riqueza,
 
 
 
Mas acaso pensais ver amanhã,
 
Ostentando no ar velha maçã.
 
Montadas em jericos seis crianças?
 
Empunhando na dextra, em vez de lanças,
 
Os cabos das vassouras enfeitados?
 
E às freiras a pedir encartuchados
 
Os doces dessa antiga costumeira?!
 
Arreda! – lá para longe a frioleira!
 
 
 
Sacudindo as algemas, de cativa,
 
A função de amanhã ergue-se altiva.
 
 
 
Vereis bailados mil bem entrançados,
 
Cavaleiros gentis e abroquelados,
 
Sofreando os corcéis na audaz carreira
 
De num salto galgar a rua inteira!
 
E do estudante ao brado festival
 
Minerva, por seu mimo maternal,
 
Baixar do Olimpo à terra em companhia
 
Dos génios – musical e da poesia!
 
 
 
Carme, ciência e lira! – Que mais falta?
 
Da vida a luz, que a existência esmalta?
 
O néctar divinal, doce ambrósia,
 
Que a glória nos inspire de tal dia?...
 
 
 
Oh sim! oh! que quereis vós, mimo dos céus,
 
Fragrância de flor do paraíso!
 
Ovantes nesse olhar... colheis troféus,
 
E aos vencidos... o céu dá-os ruim sorriso!
 
 
 
Bravo! o matiz do coral na face bela
 
Eu vejo assinalar minha esperança!
 
Nos olhos o fulgor de meiga estrela
 
Promete alegres dias de bonança...?
 
 
 
Sim! sereis amanhã enlevo de alma
 
Do excessivo labor do meditar
 
Alívio, galardão, penhor e palma
 
Para quem sabe ao amo recompensar
 
 
 
Fazei-vos, pois, de amor fiel guarida
 
Tornai prazer a dor, doçura e pranto
 
E... num suspiro levai a alma e vida!...
 
………………………………………….
 
 
 
Mas se aquém do teu sólio está o encanto
 
Que tanto as nossas almas delícia.
 
Para que criaste o céu, ó Potestade?...
 
Avé! Filha do amor e da alegria,
 
No mundo te encontrei, felicidade!
 
 
 
Agora o que me resta? – A lei penal
 
Ditar ao estudante desleal,
 
Como ao parvo, imbecil que, sendo gozo,
 
Nos quiser usurpar condão mimoso
 
De as damas requestar encaretado
 
Se o primeiro amanhã for encontrado
 
De bochinha ao ar... terá ligada,
 
Embora a não quiser por desposada,
 
Por eterna e imutável companheira
 
Uma velha sem dentes e gaiteira!...
 
O segundo, em albarda encasacado,
 
Será um picadeiro esporeado!
 
 
 
Enfim, ouvintes meus, vou terminar
 
Se à verdade o programa vos faltar
 
E a festa não vencera dos mais anos.
 
Paciência!... post tantos desenganos!
 
 
 
José Felgueiras
 
 
 
Transcrição e comentários de António Amaro das Neves 
 
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/ 
 
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