Arquivo: Pregão de 1934
 
   
     
       
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        Pregão Escolástico [Impresso]/Jerónimo de Almeida.-Guimarães:[CFN], 1934 (imp. Tip. Minerva Vimaranense).- [1]f. desdobrável; 25x35 cm. Impresso s/ cartolina a dourado.Com autógrafo da Comissão.
  Recitado por Álvaro de Jesus da Silva Martins |  
      
 
     
  
 
  
 
 
 
 
O pregão de 1934 é o nono escrito por Jerónimo de Almeida. Foi recitado pelo quintanista Álvaro de Jesus da Silva Martins. Na sua edição de 7 de Dezembro, o Comércio de Guimarães lamentava: 
 
O pregão, não o ouvimos nem lemos. As Redacções dos jornais, são, quase sempre lamentavelmente esquecidas. 
 
No entanto, no número seguinte, publicado no dia 11, lá vinha uma notícia sobre as festas daquele ano, em que se dizia, acerca do pregão: 
 
O “Pregão Escolástico”, letra do mavioso poeta e nosso prezado conterrâneo snr. Jeronimo de Almeida foi muito apreciado, bem como a declamação do académico snr. Álvaro da Silva Martins. 
 
O pregão tinha uma composição poética diferente de todos os anteriores, sendo composto por 32 quintilhas. Nele surgem as notas do costume às obras que iam mudando a face da velha Guimarães, em que se podem destacar as referências a duas torre, uma, a da  Alfândega, que estava a ser requalificada (Já vejo desnudar as pedras da Muralha / Que, junto do Toural, ostentavam anúncios, / Como se fosse o véu de uma triste mortalha), e outra, a dos Almadas, “a cair em ruína!”. 
 
A Ditadura já estava instalada há mais de oito, mas é este o primeiro pregão em que vemos a primeira enunciação de reverência à situação: 
 
 
 
Portugal ressuscita... — um Portugal moderno, 
 
Como o Porto o sonhou durante a Exposição, 
 
E nos faz aclamar a obra dum Governo 
 
Que o há-de transformar numa grande Nação, 
 
                         Num Portugal eterno!... 
 
 
 
 
 
FESTAS NICOLINAS 
 
Pregão Escolástico 
 
Recitado pelo quintanista
 
Álvaro de Jesus da Silva Martins
 
em 5 de Dezembro de 1934
 
 
 
Aos seus antigos condiscípulos, numa viva saudade para os mortos e um sincero abraço para os vivos, dedica o
 
AUTOR.
 
 
 
 
 
TINHA-SE posto o sol. A branca lua-cheia
 
Formava um disco enorme atrás do Pio IX,
 
Fazendo delirar os presos na Cadeia,
 
E um rouxinol cantar, em lânguido abandono,
 
                         Sentida melopeia…
 
 
 
Sozinho, eu ruminava as “Fábulas de Fedro”,
 
Do Carmo, desfrutando o edénico Jardim,
 
Sentado, mesmo, ao pé do seu mais alto cedro,
 
Ouvindo, cá em baixo, o sonoro chinfrim
 
                         Dos sinos de S. Pedro!
 
 
 
Puxei dum mau cigarro e dei duas fumaças,
 
Com o ar dum burguês à porta da Havaneza,
 
Que sem querer saber de mágoas, nem desgraças,
 
Com imbecil desdém o bigode retesa,
 
                         Só a pensar nas massas!
 
 
 
Um tédio singular crescia por mim fora...
 
E como quem desperta, alfim, dum pesadelo,
 
Clamei em alta voz: — Que lindo estás agora,
 
Ó trigueiro, velhinho e secular Castelo
 
                         Que Guimarães adora!
 
 
 
Agora, sim! Já vejo o teu nobre perfil
 
Desenhar-se na luz doirada do poente,
 
Erguendo para o céu, de transparente anil,
 
A forte robustez desse arcaboiço ingente,
 
                         Num ar primaveril...
 
 
 
Já vejo desnudar as pedras da Muralha
 
Que, junto do Toural, ostentavam anúncios,
 
Como se fosse o véu de uma triste mortalha
 
Indicando os fatais e tremendos prenúncios
 
                         Duma grande batalha!
 
 
 
Já vejo ressurgir, ao dobrar uma esquina,
 
Uma torre ameada entre velhas fachadas,
 
Que dizem pertenceu a gente muito fina
 
Que, outrora, lá morou — o Solar dos Almadas
 
                         A cair em ruína!
 
 
 
Vejo os brasões limpar dos nobres palacetes
 
Onde nasceu a flor dos ínclitos avós,
 
E o tempo revestiu de musgos e verdetes,
 
Para nos revelar agora, a todos nós,
 
                         Armas e capacetes!
 
 
 
Guimarães se revê nas glórias do Passado,
 
E enquanto, assim, restaura o Burgo medievo,
 
Constrói, rapidamente, a Praça do Mercado,
 
A fim de inaugurar, em breve, com enlevo,
 
                         Ao menos, um bocado!...
 
 
 
Uma coisa, porém, nos enche de arrelia;
 
É aquela desconforme e pavorosa gaffe
 
Que se levanta ainda — ó macabra ironia! —
 
Ao descer Santa Cruz para a Estrada de Fafe,
 
                         Formada em arcaria!
 
 
 
Eu não perdi ainda a risonha esperança
 
De renascida ver a Guimarães primeira
 
Desde o Paço que foi dos Duques de Bragança
 
À igreja ogival da Virgem da Oliveira,
 
                         A mais formosa herança!
 
 
 
Vós, os que soletrais os velhos pergaminhos
 
Que desde D. Dinis se enegrecem de pó,
 
Podeis vê-los, agora, envoltos em carinhos,
 
Sem que voltem, jamais, a inspirar-nos dó,
 
                         Todos arrumadinhos!
 
 
 
Juntaram-se, de novo, os antigos franquistas
 
Para a Franco pagar a dívida em aberto;
 
E eis o seu Monumento, aí, a dar nas vistas,
 
Do nosso coração sentindo-o já mais perto,
 
                         — Ó almas pessimistas!...
 
 
 
Andorinhas! baixai o vôo, por instantes,
 
E vinde saudar aquele terno Poeta
 
Que tão amigo foi dos moços estudantes,
 
E a eles consagrou toda a sua alma inquieta,
 
                         Em Bandos fulgurantes!
 
 
 
Em breve lá na Penha, entre verdes grinaldas,
 
Seu nome há-de ficar, como nobre troféu,
 
Lembrando, a quem passar, seus versos — esmeraldas
 
Que fazem cintilar mais o azul do céu,
 
                         Saudoso Bráulio Caldas!
 
 
 
Mas o 20 não volta... e o Liceu continua
 
Sempre no mesmo pé, para nosso castigo!
 
Dir-se-ia que ninguém, pensando nisto, sua,
 
Nem quer, de Guimarães, mostrar-se bom amigo!
 
                         — Anda tudo na lua!...
 
 
 
Há gente que não crê em santos, nem milagres,
 
Mas eu que não senti, na minha fé, abalo,
 
— Para que mais amor, ó Pátria, lhe consagres! —
 
No Porto vi passar, montado em seu cavalo,
 
                         O Infante de Sagres!
 
 
 
Vi surgir, a meu lado, o Portugal de antanho,
 
Dos Gamas, de Camões. dos Castros e Albuquerques;
 
Um Portugal maior, um Portugal tamanho,
 
Que eu espero, jamais, o teu domínio perques,
 
                         O teu poder estranho!
 
 
 
Vi renascer ao sol, que os cobrira de glória,
 
Aqueles ideais e intrépidos pilotos
 
Que deixando de si a mais grata memória,
 
Recordam os heróis dos tempos mais remotos,
 
                         De que nos fala a História!
 
 
 
Vi passar, ante mim, as débeis Caravelas
 
Que sulcaram o mar em todos os sentidos,
 
Aos ventos desfraldando as suas finas velas,
 
Enquanto os homens seus tapavam os ouvidos
 
                         Às rígidas procelas!
 
 
 
Vi mais! Vi ressurgir todo esse vasto Império
 
Que da África passou ao Brasil e a Timor,
 
Dum hemisfério passando até outro hemisfério,
 
Fazendo estremecer o próprio Adamastor
 
                         De aspecto grave e sério!...
 
 
 
Cavaleiros de Ceuta e de viseira erguida,
 
Seguiam cavalgando em céleres corcéis,
 
A espada na bainha, a fronte destemida,
 
O cabelo caindo em compridos anéis,
 
                         Na armadura brunida!
 
 
 
Eu contemplei, também, os bravos Missionários
 
Que em meio do sertão, entre povos selvagens,
 
Ostentando uma cruz sobre os escapulários,
 
Do mesmo Cristo são as mais belas imagens,
 
                         Em seus novos calvários!
 
 
 
Atrás de tudo vi, no couce do cortejo,
 
Com as armas ao ombro, em portes marciais,
 
— À Pátria oferecendo um caloroso beijo,
 
Num aprumo ideal! — tropas coloniais,
 
                         Que ainda, em sonhos, revejo!
 
 
 
Portugal ressuscita... — um Portugal moderno,
 
Como o Porto o sonhou durante a Exposição,
 
E nos faz aclamar a obra dum Governo
 
Que o há-de transformar numa grande Nação,
 
                         Num Portugal eterno!...
 
 
 
Um sorriso de amor aos lábios meus assoma
 
Olhando para vós, ó célicas deidades!
 
Que seja o peito meu cristalina redoma,
 
E eu sinta, dentro dele, as vossas claridades
 
                         E divinal aroma!
 
 
 
Que eu sinta, na minha alma, o transcendente eflúvio
 
Do vosso meigo olhar, da vossa graça etérea;
 
E se o mundo o arrasar, de novo, outro dilúvio,
 
Haja mãos feminis afagando a miséria
 
                         Deste negro Vesúvio!
 
 
 
Só vós podeis salvar a pobre Humanidade
 
Da luta fratricida em que ela se debate,
 
E conseguir, assim, em nome da Verdade,
 
Bem alto se anuncie a hora do resgate,
 
                         Da pura Liberdade!...
 
 
 
Tricanas da boémia! Ó lindas raparigas!
 
Em graças naturais o vosso rancho timbra!
 
Vós bateis o record! adoradas amigas,
 
Pois nem Vila do Conde, Aveiro, nem Coimbra,
 
                         Vos excede as cantigas!
 
 
 
Eu quero repartir um pouco deste anseio
 
Que faz vibrar, cá dentro, as cordas da minha alma,
 
E a todas vos estreito ao meu gelado seio,
 
Num amor fraternal que a todos leva a palma,
 
                         Um casto devaneio!
 
 
 
A graça da Mulher a todas sobreleva
 
E em rosas de toucar faz transformar abrolhos!
 
E como o sol que nasce e que dissipa a treva,
 
Assim a doce luz que vem dos vossos olhos,
 
                         Ditosas filhas de Eva!...
 
 
 
Nicolau, bem amado! Ó nosso bom Eleito!
 
Lá no céu onde estás, cercado de áureos brilhos,
 
Aceita a devoção do nosso eterno preito,
 
E faz que Guimarães, onde vivem teus filhos,
 
                         Se meta, hoje, em respeito!...
 
 
 
Jerónimo de Almeida. 
 
 
 
 
  Transcrição e comentários de António Amaro das Neves 
  
 
  Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/ 
  
 
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