Arquivo: Pregão de 1924
 
   
     
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      Bando Escolástico [Impresso]/Padre Gaspar Roriz.-Guimarães: [CFN], 1924 (imp. Pap. e Tip. Minerva Vimaranense)-[1] f.; 37x26 cm. Impresso s/ papel branco.-Existem dois exemplares.
  Recitado por António Corrêa da Silva |  
    
 
     
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Em finais de Novembro de 1924, os jornais anunciaram que não se iam realizar as Festas Nicolinas, em sinal de luto pela morte de um herói nacional, o aviador Sacadura Cabral, que falecera num acidente aéreo no Mar do Norte, no dia 15 daquele mês. 
 
Porém, sempre houve festas. O pregão foi escrito pelo Padre Gaspar Roriz e o pregoeiro foi António Correia da Silva, estudante do 7.º ano de Ciências. 
 
 
 
 
 
Bando Escolástico 
 
Recitado em 5-XII-1924 pelo aluno do 7.° ano de Ciências 
 
António Correia da Silva. 
 
 
 
Eu venho anunciar a Guimarães e ao mundo,
 
a rufos de tambor, em versos sublimados,
 
a aurora mais formosa, o dia mais jocundo
 
que surge em toda a terra! Eu sei, por meus pecados,
 
que a terra não merece o nosso festival.
 
Nós somos Mocidade e a Mocidade é Amor,
 
Franqueza e Expansão. A terra é o lodaçal
 
de lama e sangue. Oh! sim! Em ódio, em rancor,
 
debatem-se as nações. Um negro espectro — a Guerra —
 
que os povos mergulhou em dor, em luto eterno,
 
passou qual maldição a transformar a terra
 
e o mundo ficou sendo um báratro, um inferno.
 
E neste inferno imenso, em que nos debatemos,
 
num mal-estar geral, numa situação crítica,
 
demónios há aos mil!... Mas o pior dos demos
 
é, como vós sabeis, o demo da Política...
 
Ó génio de Bordalo, Artista criador
 
de tipos nacionais! Talvez fôsses à forca,
 
mas tu dirias sempre: — “A Porca está maior,
 
a Porca, está mais suja, a Porca está mais porca”.
 
 
 
Senhoras, perdoai! A festa é de alegria
 
e tem a limpidez do vosso meigo olhar!
 
Eu não falarei mais naquela porcaria...
 
Senhoras, perdoai!... Eu quero-me lavar...
 
Mas onde existe a fonte, a límpida corrente,
 
que para me lavar a água em si contenha?
 
Criadas de servir, dizei, dizei à gente,
 
se porventura já secou a nossa Penha...
 
Eu vejo-vos em bicha ao pé dos fontenários;
 
se um incêndio voraz aqui nos aparecer,
 
não valerão de nada os nossos Voluntários;
 
ai míseros de nós — teremos de morrer!...
 
E Guimarães será destroços e ruínas:
 
destroços a granel, ruínas em montão!...
 
Sumiram-se na terra as águas cristalinas?
 
Rompeu-se, por acaso, a canalização?
 
Ou houve alguém que fez, na terra do bom vinho,
 
da água — oh! que horror! — da água monopólio?
 
Há açambarcador?! És tu, Banco do Minho,
 
que nos levas a água e as minas de petróleo?
 
O petróleo, oh! sim!... e não bastava isto:
 
no cofre forte achaste — oh! grande, imensa sorte! —
 
do petróleo ao pé a água que, pelo visto,
 
não é água vulgar, mas antes... água forte...
 
 
 
Querem levar-nos tudo!... Avaros e forretas,
 
nem poupam o Liceu... Que negra e triste vida!
 
Tiraram-nos o sexto e o sétimo de letras:
 
ficámos com um liceu de via reduzida...
 
Só sábios temos, pois: estudantes, professores,
 
sábios somos, oh! sim! altas cerebrações.
 
Mas poetas não há, não temos oradores!...
 
Ai, pátria de Vieira, ai, pátria de Camões!
 
Ai, velha Guimarães, famoso burgo antigo!
 
chamaram-te Araduca as gerações passadas,
 
mas hoje, Guimarães, quero chorar contigo:
 
as letras que tu tens são letras... protestadas...
 
 
 
Também vou protestar, com alma e com calor,
 
— Magriço a combater por vós, lindas meninas —
 
contra a proibição que fez um tal reitor,
 
que não vos deixa usar as capas e as batinas.
 
Senhor reitor, cautela! Escute, não se esqueça
 
de que não há no mundo um traje mais galante
 
do que este gorro negro em cima da cabeça,
 
do que a batina preta e a capa do estudante!
 
Recorde do Mondego as águas murmurantes,
 
os cisnes a cantar na linda Lusa Atenas.
 
Recorde as gerações de belos estudantes,
 
cantando o seu prazer, chorando as suas penas:
 
oão Penha, epicurista, entoando odes, hinos,
 
ao peixe da Camela; Antero, o sempre triste;
 
Junqueiro, o modelar autor de alexandrinos;
 
João de Deus, cantando o que de belo exist
 
na Natureza imensa!...
 
Ó príncipes das letras,
 
o que é que fez brilhar o genial talento
 
das vossas produções? As vossas capas pretas,
 
bandeiras juvenis a flutuar ao vento!...
 
 
 
Mestres sem coração que lá, na Lísbia amada,
 
fizestes irritar os nossos companheiros,
 
contra a donzela que é tão fraca e delicada
 
feros vos amostrais, ó lobos carniceiros?!
 
Talvez queirais, talvez — oh! negra e triste sina! —
 
que elas a tiritar passeiem pelas ruas
 
sem este gôrro, sem a capa, sem batina,
 
obedecendo à Moda — à Moda que as traz nuas?!
 
 
 
Alunas do Liceu, ó Mocidade em flor
 
que connosco viveis a estudar e a sorrir,
 
não obedeçais, não, da Lísbia ao tal reitor:
 
alunas do Liceu, oh! ide-vos vestir...
 
Deixai a saia curta e os braços desnudados,
 
deixai o pó-de-arroz e o rubro do carmim,
 
oh! não queirais, oh! não, vestidos decotados...
 
Quereis um figurino? Olhai, olhai para mim:
 
batina a negrejar no meu peitilho branco,
 
a capa a flutuar ao vento da Ilusão,
 
nos lábios um sorriso, este sorriso franco,
 
que nasce puro e santo em nosso coração.
 
 
 
Assim, de grande gala, eu venho a saudar
 
as Damas tão gentis da nossa linda terra.
 
Senhoras que volveis o vosso meigo olhar
 
para a nossa Mocidade! o nosso peito encerra
 
cofres de puro amor — os nossos corações!
 
Senhoras, não sou mais que um simples estudante,
 
mas se me fôra dado o estro de Camões,
 
ou o estro genial que imortalizou Dante,
 
Natércias da Saudade, ó Beatriz, Amores,
 
ó Musas da poesia, ó formosura ideal,
 
havíamos de ser os vossos trovadores,
 
cantando o vosso amor, Mulheres de Portugal!
 
Aquele amor que deu às páginas da História
 
os nomes imortais, fulgores de eternos brilhos,
 
da Rainha Isabel de tão grata memória,
 
Filipa de Vilhena a consagrar os filhos
 
da Pátria no altar!
 
Mulheres Portuguesas!
 
Ó nossas santas Mães! Ó nosso puro amor!
 
rosários desfiai, que as vossas santas rezas
 
nos podem dar ainda um Portugal maior!
 
 
 
E vós, ó juventude, ó linda Mocidade,
 
donzelas que sorris sorrisos de ventura,
 
que tendes nesse olhar espelhos de bondade,
 
que tendes em vossa alma escrínios de ternura;
 
formosas que fazeis da terra um paraíso,
 
estrelas que brilhais no céu do nosso amor,
 
não deixeis de nos dar, ó belas, um sorriso;
 
em troca da maçã queremos uma flor:
 
a flor do vosso afecto, aquele afecto puro
 
que faz realçar tanto a vossa Mocidade!
 
Havemos de a guardar em cofre bem seguro,
 
havemos de a regar com pranto da Saudade!
 
 
 
Amigos, atendei: deveis correr a pau
 
o que sem santo e senha entrar no festival!
 
O Santo, já sabeis, o Santo é Nicolau,
 
a senha pode ser a... cédula pessoal…
 
Galharda Mocidade, ó forte geração,
 
dos bombos arrancai um som cavo e profundo,
 
que pareça o ribombo imenso dum trovão
 
a estremecer o céu, a terra, o mar e o mundo!
 
Que vá anunciar ao longe, ao mundo inteiro,
 
num eco atroador, imenso, altissonante,
 
que a árvore mais linda é a nossa — é o pinheiro —
 
que quem reina no mundo é sempre o ESTUDANTE
 
 
 
P.e Gaspar Roriz 
 
 
 
 
    Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
    
    
    
    
 
    Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
    
    
    
    
 
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