Arquivo: Pregão de 1844
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Bando escolástico: 1844 [Manuscrito] / cónego António J. de Oliveira Cardoso. In: [Bandos Escolásticos] [Manuscrito].-1817-1872.-f.14v.-15v. Publicado na "Revista de Guimarães". Cópia do livro de apontamentos de António Joaquim de Almeida Gouveia, cartorário de S. Domingos. Existe outra cópia, feita pelo Abade de Tagilde, em duas folhas.
A figura de Minerva foi feita por António Joaquim d'Almeida Gouvêa e a de Mercúrio por Ignacio Luiz Pereira do Lago |
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Em 1844 houve dois pregões. Um, escrito por Pereira Caldas, não teve pregoeiro. O outro, saído da pena do Cónego António de Oliveira Cardoso, foi declamado por… dois pregoeiros. Um, António Joaquim de Almeida Gouveia, dando a voz à deusa Minerva, leu os seis primeiros versos. Os restantes (102) foram ditos por Inácio Luís Pereira do Lago, encarnando a figura de Mercúrio, o deus mensageiro.
O pregão anunciava a festa do dia seguinte, em que os estudantes quentinhas, a pelar, darão castanhas e se exibirão em farsas de escangalhar de riso e numa dança militar.
Bando Escolástico - 1844
MINERVA
Queridos filhos meus, que a doce vida
Gastais em me adorar no templo honroso,
Hoje férias vos dou à dura lida,
Para entregar-vos ao recreio, ao gozo.
Mercúrio em sons facundos anuncia
O festejo, o prazer do excelso dia.
MERCÚRIO
Ò pátria, ò Guimarães, ò flor mimosa,
Que toda te apavonas orgulhosa
De acalentar de Lísia o rei primeiro,
Que os reis maravilhou do mundo inteiro.
Viste o entrudo assomar todo casquilho,
Levando tranças de ouro, alvo polvilho,
E branda seta em doce devaneio,
Na laranja embebendo o níveo seio,
Tudo envolver em donairosa guerra,
Que nos ecos ribomba o vale e a serra.
Viste do S. João a mão rugada
Com harmónicas chácaras cantada,
Por entre a relva a seus adoradores
Brando rocio entornar, néctar de amores,
E na alcachofra em chamas crepitantes
Mostrar seu fado a fervidos amantes.
E nada em ti calou doce alegria!
Almejar só de Nicolau o dia
Em que o estudante em mimo transcendendo
Tudo vai de prazer embebecendo!
Respira, que no espaço vem sorrindo,
Perlas vertendo, rosas esparzindo,
E por mais a função tornar preclara
Lá do Olimpo baixou Minerva cara;
Tudo pois neste dia luminoso
Há de em torrentes transbordar de gozo.
Ricos gibões trajando os estudantes,
Que o Grão-Mogol não traja tão brilhantes,
Mil dons, em cantos mil, com graça e arte,
Cuidosos, espalharão por toda a parte.
Aqui para dum fartar magras entranhas,
Quentinhas, a pelar, darão castanhas;
Aí a outros de prudente siso
Farão com farsas escangalhar de riso;
E dança militar, que amor desperta,
A todos deixará de boca aberta.
Mas vós, queridas, que o gemer do peito
Com um volver adoçais do lindo aspeito,
Vós, neste dia a que prestais fulgores,
Distinguidas sereis com seus favores.
Maçãs, na cor rivais de vosso rosto,
Belas choreias de apurado gosto,
Em requebros primando, em louçania,
Para vós as reservam à porfia.
Porém o galardão condigno seja
Da ternura que na alma lhes flameja,
Do pomo ao receber, deixar de leve,
Doce o lábio tocar na mão de neve;
De airosas danças na afanosa lida,
Terno suspiro lhes esmalte a vida.
Minerva, sim, a castidade ordena,
Mas de amor puros gozos não condena.
Que temeis pois? o genitor rugoso,
Que severo vos mostra o gesto iroso?
Porque o gelam talvez setenta invernos
Quer em vós abafar suspiros ternos?
Deixai-o, que ao amor o dia é dado,
E se a mão vos puser o ginja ousado,
A chorina senil irão tirar-lhe
E com ela depois na calva dar-lhe.
Temeis que do peralta o lábio impuro
Tóxico verta ao suspirar mais puro;
Coitado, silvos são da inveja ardente,
Que deles ver não pode a dita ingente,
Porque a melena à Nazaré penteia,
Porque todo arrebiques se alardeia,
Anelava também finezas caras
Sem votar dulias de Minerva as aras!
Casquilhos, um conselho: retirai-vos,
E das selvas nos antros ocultai-vos,
Que tanto vos não vale a inveja infecta
Que parte ouseis tomar na excelsa festa.
É de estudante só condão augusto,
De mil lucubrações o prémio justo;
E mal dos vis que no bestunto a mente
Lhes der para infringir a lei potente;
Ao Toural entre apupos arrastados,
Serão no largo tanque mergulhados;
E se alçarem também ousados braços,
Logo feitos serão em mil pedaços.
Quer Minerva que em paz respire a terra,
Mas para a lei guardar ordena a guerra;
E seus filhos por ela protegidos
Têm sido sempre de lauréis cingidos.
Embora duros sabres empunhando,
De hostes assome numeroso bando,
Aos alunos de Palias nada espanta;
Quais espartanos heróis, que a fama canta,
Quantos inimigos são saber não querem,
Mas só aonde estão para os baterem.
Tremei, tremei do impávido estudante,
Que ou à lança, ou ao murro, é sempre ovante.
Deusa, ò deusa imortal, que douta e forte,
Na ciência és fanal, na pugna és morte,
É o a égide ampara a cara juventude,
Inspira-lhe almo génio, alma virtude.
E vós, filhos da cândida Minerva,
Que o gélido pavor jamais enerva,
Eia, sons do tambor mandai aos ares,
Que atroem novos mundos, novos mares,
E o eco festival, que aos astros sobe,
Vá invejas causar no Olimpo a Jove.
FIM
Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
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