Arquivo: Pregão de 1842

Bando escolástico: 1842 [Manuscrito] / Cónego António J. d'Oliveira Cardoso. In: [Bandos Escolásticos] [Manuscrito].-1817-1872.- f.11-11v.
Publicado na "Revista de Guimarães". Cópia do livro de apontamentos de António Joaquim de Almeida Gouveia, cartorário de S. Domingos. Existe outra cópia, feita pelo Abade de Tagilde, em três folhas.

Recitado por Frei Ignacio Pereira do Lago

   
Em 1841 terá havido festa. Para tal, foi nomeada, a 14 de Novembro, a respectiva comissão. Não temos notícia acerca do pregão.
O ano de 1842 foi dos mais acidentados de que há memória: morreu um rapaz de 10 anos, esmagado debaixo do pinheiro, que deu de si e caiu quando estava a ser levantado, e incidentes entre estudantes e intrusos levaram à intervenção dos militares, o que provocou uma forte reacção do povo, que saiu à rua a gritar “Fora a tropa!".
O pregão deste ano foi escrito pelo Cónego António José de Oliveira Cardoso e recitado por Frei Inácio Pereira do Lago.
O pregão, sem esquecer as bicadas do uso ao casquilho e ao farfante, que se atrevessem a disputar os lauréis ao estudante (e ao tanque do Toural no lodo imundo / foram de rojo baquear ao fundo), é capaz de causar alguma admiração o tom galante e sensual, a bordejar um erotismo quase inocente, dos longos versos que o autor dedica às Belas (Iremos todos, de prazer arfando, / Rubros pomos colher, maçãs mimosas, / Para vir ofertar às mais formosas. / Oh! oferenda que por nós colhida, / Toda ela é delícia, é toda vida! / Provai-as; sentireis de amor ardente / Puro gérmen calar tão docemente). Não esquecer que o autor do pregão era cónego e o pregoeiro era frade…

Bando escolástico – 1842

Lá de Minerva na palestra dura,
Que a mente esmalta, que a razão apura,
A tenra juventude, noite e dia,
Cruas fadigas sem cessar curtia.
Só meigo olhar de mágica beleza
Via a furto dourar sua tristeza.
E o velho tempo, que veloz girava,
Parece que de manso se arrastava.
Mas alfim Nicolau, o justo, o santo,
Seu dia volve, suspirado há tanto.
Pesado véu, que o espaço enegrecia,
Já com as asas dissipa alma alegria.
Tudo em torno sorri para que ovante
O seu brilho ostentar possa o estudante.
Como entre os gelos, que no monte alvejam,
Surgem boninas, que loucas flamejam!
Pois é só para honrar a função nossa,
Que em nossos peitos o penar adoça.
Exulta Guimarães todo alegria,
Que o teu vai despontar mais fausto dia.
Recamos de ouro, púrpuras fulgentes,
Trajando os filhos teus, todos contentes,
Ao ver nossas bandeiras tremulando,
Vão palmas, vivas mil ao ar lançando.
E vós, ò belas, que no mar da vida
Sois luzente farol, remanso à lida,
Ò belas, ah! de rosas enastrada,
Essa prisão de amor, madeixa ondada,
Nas janelas mostrando o níveo rosto,
Para nós apurai ternura e gosto.
Depois que a rósea Aurora no horizonte
Rociar com seus cristais o prado, o monte,
Espumantes corcéis assoberbando,
Iremos todos, de prazer arfando,
Rubros pomos colher, maçãs mimosas,
Para vir ofertar às mais formosas.
Oh! oferenda que por nós colhida,
Toda ela é delícia, é toda vida!
Provai-as; sentireis de amor ardente
Puro gérmen calar tão docemente.
Mas ah! se repelis nossa ternura,
Qual as vagas repele a rocha dura,
Se baldos forem fervidos extremos,
Que tão do peito só por vós fazemos,
Não fieis na beleza encantadora,
Por de Paris, o pomo haver outrora;
Em justa pena dos repúdios vossos
Só castanhas tereis, tereis tremoços,
Que às mãos cheias nas ruas prodigámos
Às velhas, aos rapazes, que encontrámos.
Oh! volvei para nós, volvei piedosas
Essas cópias do céu, faces mimosas.
Em tão puro jasmim, tão alta neve,
Um ósculo imprimir nenhum se atreve.
Se em vossos lábios um sorriso adeja,
É todo o prémio que o estudante almeja.
Nem vós lhe negareis ventura tanta,
Que a vossa gratidão a fama canta.
E que! se polidez, se alma virtude
Partilha são da sábia juventude,
Se sempre os lábios expressões derramam
Que todas mimo os corações inflamam,
Qual há casquilho aí, qual há farfante
Que dispute os lauréis ao estudante?
Vale o ouropel com que a rudeza ocultam
Sublimes dons, que tanto em nós avultam?
Mas no crastino dia, oh! lá nos montes
Devem de pejo acobertar as frontes.
Quais podem ante vós, de graça cheias,
Ledas farsas travar, travar coreias?
Só Nesta figurar função preclara
É dado de Minerva à prole cara.
Lei justa e santa, que de longas eras
Com penas vigorou as mais severas.
E no bronze gravada em nossa idade, (a)
Parelhas correrá com a eternidade.
Já neste dia de imortal memória
Ousarão mil e mil tão alta glória
E ao tanque do Toural no lodo imundo
Foram de rojo baquear ao fundo;
Que insultem outra vez a lei sagrada,
Que outra vez volverão ao lodo, ao nada;
Lanças enristem, arremessem pelouros,
Jamais da fronte nos cairão os louros;
Com a égide de Minerva o aluno forte
No campo da batalha é raio, é morte.
“Cesse tudo que a musa antiga canta,
“Que outro valor mais alto se alevanta.
Eia, pois, sócios meus, eia, mostremos
à terra, ao mar, ao céu, quanto podemos.
Rufem tambores, as trombetas soem,
Lá pelo vale, e pela serra ecoem;
E os sons festivos recolhendo Éolo
Vá nas asas levar de pólo a pólo.
FIM

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
Um blogue de
António Amaro das Neves
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