Arquivo: Pregão de 1822

Manuscrito] / João Evangelista de Moraes Sarmento
In: [Bandos Escolásticos] [Manuscrito].-1817-1872.-f4-4v.
Foi publicado em Poesias de João Evangelista de Moraes Sarmento.
Existe outro pregão manuscrito.
Festas autorizadas por D. João VI. 
Vd. O S. Nicolau em 1822. "Religião e Pátria". (22 Dez. 1880)2.
   
Dos anos de 1820 e 1821 não temos notícia de pregão. Aqueles eram tempos de grande agitação política. Nada sabemos acerca das festas a S. Nicolau no ano de 1820, escassos meses depois da vitória da revolução liberal. Nesse ano, o juiz de fora de Guimarães proibiu os estudantes de saírem mascarados na sua festa. A requerimento de 140 estudantes, esta proibição seria anulada pelo Corregedor, no dia 3 de Dezembro. Nada mais sabemos das festas daquele ano.

No ano seguinte, seria o Intendente-Geral de Polícia a proibir as máscaras em dia de S. Nicolau, o que foi desrespeitado por um grupo de académicos vimaranenses, que, no dia 6, cumpriram a tradição e saíram à rua mascarados. Na sequência duma petição dos estudantes, a proibição policial seria anulada no dia 12 de Dezembro. Demasiado tarde para que o programa das festas se realizasse conforme o costume, mas a tempo para as manifestações de júbilo dos estudantes: no dia 18 içaram a sua bandeira no Toural, estralejaram foguetes, repicaram os sinos, disseram-se versos e as ruas foram percorridas por uma encamisada. O pregão deste ano voltou a ser escrito por João Evangelista de Morais Sarmento. Seria o último da sua autoria, uma vez que viria a falecer no ano seguinte.

O pregão de 1822 tem 86 versos e é um cântico à liberdade conquistada (de Nicolau cantemos altos feitos / libertou Portugal do Despotismo) e às belas (sois vós, ó Sexo amável, vós ó Belas / do mundo social ricas estrelas).


Pregão para 1822.

Tudo em torno de Nós, tudo é ventura.
Surgimos da mais torpe sepultura.
A campa de tremenda opacidade,
Que abafava a Razão, a Liberdade
Estalou por cem partes: nós já somos
Nação de Heróis, como outrora fomos.
E a quem senão a ti, Nicolau Santo,
A quem senão a ti se deve tanto?
Tu nos despiste dos grilhões os pulsos;
Tu deste ao coração nobres impulsos.
Dos Sábios Protector Sábios armaste;
Com eles a Vitória coroaste.
Leis nascidas no Céu mandaste à Terra:
O Mundo agora um Paraíso encerra.
É Portugal,… oh Reino venturoso,
Como te ergues ufano e glorioso!
Todos a Nicolau devem dar graças,
Porque ele aniquilou gerais desgraças.
Mas tu, ó bela, Ilustre Juventude,
Que a Sapiência cultivas, e a Virtude,
Tu que já da mais alta antiguidade
Usas especial festividade
Para, honrar Nicolau, qual neste dia
Não se deve ostentar tua alegria?
Onde acharás magnífico festejo
Igual ao teu vivíssimo desejo
Aqui, ali exalçarás vistosos
De Emblemas cheios arcos majestosos!
Carroças de triunfo adamascadas
De instrumentos sonoros carregadas
Pelas ruas com pompa irão rolando
Os olhos, os ouvidos encantando!
Engenhosos foguetes crepitantes!
Pintadas luminárias cintilantes!
Ah! Tudo é pouco: a Gratidão no peito
Regozijo demanda mais perfeito.
Uma ideia só há que satisfaça;
Só ela fecha em si grandeza, e graça.
Sois vós, ó Sexo amável, vós ó Belas,
Do mundo social ricas estrelas,
Sois vós, que de mãos dadas c’o Estudante
A Função mais completa, mais brilhante,
Qual nunca se tem visto, fazeis hoje.
Vinde ligeiras porque o tempo foge:
Deixai os vossos fastiosos lares,
Vinde livres folgar em livres ares.
Eis de mirto já prontas cem capelas,
Festões das flores mais gentis, mais belas.
Adornadas assim, assim floridas,
Quais as Ninfas de Vénus mais queridas,
Que dança festival não travaremos?
C’os pés, co’as níveas mãos eia, exultemos:
Caia um pouco, no ombro o airoso rosto,
Ressumbrando na cor ternura, e gosto,
C’os ventos fogem os cabelos de oiro
Por entre as rosas, e o viçoso louro.
A furto às vezes no travado enleio
O seio dele toque dela o seio.
Palpite o coração, core-se a face,
Ou desmaio subtil a cor embace
Agora sim: mil vivas revoando
Com pleno gosto os pelos vão tocando:
Nosso desejo agora é satisfeito:
Isto sim é prazer, prazer perfeito.
É função sem igual, função de arromba,
Aqui reviras tu, Inveja, a tromba.
Aqui, oh Caixeirinho, que pensavas,
Que hoje do mel de Amor favas chupavas,
Qual na força da calma um figo peco,
Morres mil vezes por lamber em seco.
Coitado! porém queixa-te da sorte:
Sempre o fraco cedeu ao que é mais forte.
Oh! como Dulcineia bem se enlaça!
Em Amarilis que donaire e graça!
Ferva a dança outra vez: os altos feitos
De Nicolau cantemos satisfeitos
Libertou Portugal do Despotismo.
Sumiu rançosas, leis no horror do abismo.
Eia, Turba escolástica, em memória
Façamos Guimarães nadar em glória.
Mas não turve este gosto audaz pedante,
Que, se o fez, feito em pó é num instante.
Temos lei: ignorância não se alegue:
Para que esta notícia a todos chegue,
É que à voz do tambor, que vai troando,
Vou eu ao ar este Pregão lançando.

Poesias de João Evangelista de Morais Sarmento, Coligidas por vários Amigos seus, revistas pelo A. Poucos tempos antes de sua morte, e dadas à luz por alguns de seus admiradores, Porto, 1847, pp. 156-159

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
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António Amaro das Neves
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