Arquivo: Pregão de 1907 - Não recitado



Bando Escolástico. Dedicado às Senhoras vimaranenses [Impresso]/Jerónimo Augusto d’ Almeida.[Guimarães: s.n.],1907 (imp.Typographia Guise).-[4] f.;10x6 cm. Com dedicatória de João Lopes de Faria.Capa em papel verde, impressa a dourado, sem contra-capa.Com a seguinte nota: “Este bando devia ser recitado no dia 5 de Dezembro de 1907, pelo académico Francisco Xavier d’ Albuquerque Dias; mas por motivos particulares não o é, em virtude do que o mandei imprimir e publicar”. Com fotografia de Jerónimo de Almeida.
 Não recitado

Diz-nos O Comércio de Guimarães que, além do pregão que foi recitado, houve “um outro que foi distribuído, original do snr. Jerónimo de Almeida, o que tinha muito valor por ser feito por um estudante vimaranense”. E, no Imparcial, escreveu-se: “O nosso amigo sr. Jerónimo de Almeida, inteligente moço já conhecido pelas suas mimosas produções poéticas, fez imprimir e distribuir profusamente pela cidade um bem feito Pregão, dedicado as senhoras de Guimarães, o qual tem sido muito apreciado.”
Não sabemos ao certo (ainda) qual a razão pela qual o pregão que era para ser lido, o de Jerónimo de Almeida, foi preterido pelo que escreveu Delfim Guimarães. Não foi, seguramente, por falta de merecimento da obra do jovem Jerónimo de Almeida, à altura com 21 anos de idade e já com obra poética publicada. Com este, Jerónimo de Almeida escreveria 13 pregões, o último dos quais em 1969, quando já contava 83 anos de idade.
Os dois autores dos textos de 1907 viriam a revelar-se especialmente produtivos: à sua conta, assinariam mais de metade dos pregões que foram recitados até ao ano de 1950.

BANDO ESCOLÁSTICO
JERÓNIMO AUGUSTO DE ALMEIDA
IMPRESSO NA TIPOGRAFIA GUISE, EM GUIMARÃES
NO ANO DE MDCCCCVII

Dedicado
Às senhoras Vimaranenses

(Este bando devia ser recitado no dia 5 de Dezembro de 1907,pelo académico Francisco Xavier de Albuquerque Dias; mas por motivos particulares não o é, em virtude do que o mandei imprimir e publicar.)

Pátria de Mumadona, Araduca de outrora,
Vimaranes depois e Guimarães agora;
Berço de heróis, sábios, santos e poetas,
Cuja memória doira as nossas capas pretas;
Bizarra flor-de-lis de heráldica nobreza,
Que embalou ao nascer a com a da realeza;
Eu te saúdo a par com a deusa Minerva!

As ruas se varreram e cortou-se a erva,
Para poder passar o cortejo do Bando,
Que a fim do.o recitar, pára de quando em quando.
Ó Santo NicoIau, acena com um lenço.
Lá do alto do Céu. para a terra de Afonso,
Contente de nos veres alegres como dantes,
Aos homens do futuro, a nós os estudantes,
É esta festa anual realizada em teu nome;
Eu sei quanto por ti a gente se consome!
Mas que importa se nós somos de seda e aço
E pomos a teu lado um coração e um braço?...

O progresso abalou Guimarães, é um ciclone!
E agora eu vou servir aqui de cicerone,
Para vos mencionar cada melhoramento;
— Em lugar de honra está o grande monumento,
De encantador estilo na arte bizantina,
Erguido e burilado em branca pedra fina,
Com três amplas janelas, cujos belos nichos
Demoram muito tempo os nossos olhos fixos
Naquelas seis mulheres simbólicas e airosas,
Com diademas e colares de pedras preciosas,
(Trabalho excepcional do artista primoroso,
Que o seu nome firmou ali — Abel Cardoso)
Nenhuma força humana a glória fere ou bane-a
De Sarmento, esse sábio arqueólogo da Citânia!

Fica a perder de vista o octógono arcaico,
Que há-de ter brevemente um passeio a mosaico,
Para perpetuar-se ao centro, sobranceiro,
O mastro mais gigante, o nosso bom pinheiro...
Em ruas não falar! isso vai muito além!
A de Paio Galvão prolonga-se a Azurém...
Um largo se alargou, no abrir duma porta,
Lavrou-se a terra… e falta só plantar a horta!
De mais utilidade e de melhor ideia,
É o novo e importante edifício da Cadeia,
Que se vai construir junto à rua de Arcela,
De janelas com grade e grades sem janela…
Ia-me já esquecendo das máquinas novas,
Cujos apitos se ouvem de Paçô a Covas!
E instou-se para o governo ao telégrafo sem fio,
Palácio com rei, Sé com bispo e ponte com rio…
Felicito por isso a câmara actual,
Que quer desafiar a grande Capital!...

Dandismo do balcão, agora é que é o goza
Manda a lei do descanço aos domingos fechar:
Puxai pelos cordões, nada de economias,
Usai com liberdade as novas regalias,
Porque em qualquer domingo, o que à semana ganha,
Vai a Fafe em comboio e automóvel à Penha!
Mas isto não bastou, queríeis pintar a manta,
E ao passardes ali perto da Fonte-Santa,
Uma dor vos feriu de saudades atrozes,
— A sede a pedir vinho e a fome a pedir nozes...
Voltastes para baixo imersos na tristeza,
Indo dar com o nariz nas portas da Havaneza!

Depois disto, depois, — ò lei que foste lei! —
De maneira que eu francamente não sei
E nem quero saber, faço uma cruz na boca,
Para não proferir qualquer palavra louca
Capaz de melindrar-vos ou merecer-vos crítica
Visto que eu não percebo nada de política…
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Tricaninhas vou lá? Cantai-me aqui ao pé,
Todos as trovas do balancé! balancé!

              [imitando a voz das tricanas]
             Tenho na minha gaveta
             Cinco réis há tanto tempo,
             Para dar ao João Franco
             No dia do casamento!

Como é doce essa voz de penas tão macias!
Que nome têm! São todas Rosas e Marias?
Gosto de ambas, confesso a fraqueza do amor;
Mas se o meu coração a amar-vos é maior
Do que o oceano, e tem as marés como ele...
Dai-nos das vossas bocas os favos de mel,
Que andamos procurando assim como as abelhas.
Para beber...beber… nessas bocas vermelhas!

Senhoras, que escutais a voz dum estudante,
Devia-vos cantar a inspiração do Dante
Retratar-vos depois o pincel de Rembrandt,
E amar-vos... isso só o nosso coração!
Tranças da noite escura e tranças fulvas de oiro.
Nenhum milionário tem melhor tesoiro
Que o dos vossos anéis feitos de luz e treva,
Ó netas do luar! ó meigas filhas de Eva!
Brancos lírios do mais puríssimo perfume,
Quantas flores dessecando às vezes de ciúme,
Contemplando doridas a beleza vossa!...
Minha alma entristecida em mágoas, remoça
E começa a sentir o infinito dilúvio
Desses olhares que são o mais suave eflúvio!
Recebei este Bando em preito de amizade,
Como recordação da nossa mocidade.

Good-bye! Good-bye! Laus-Deo pelo meu discurso!
Avante companheiros, no usual percurso!
Se quereis ir tomar o five ó clock tea,
Afinai bem o dó, ré, mi,fá, sol, lá, si...
Muitíssimo compasso, assim a quatro tempos,
Nas caixas infernais! nos bombos turbulentos!
Um hino atroador, de todo o fogo à prova,
Para a música relha se enterrar e a nova!!

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
Um blogue de
António Amaro das Neves
Guimarães:Minho:Portugal
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