PREGÃO DOS VELHOS
" Apregoados nas CEIAS anuais da NOITE do PINHEIRO"
Sobre o Pregão dos Velhos
Quando saí do liceu e dei o canastro às lides de um escritório, adquiri o estatuto de Velho Nicolino no tempo mesmo em que os meus colegas o davam às aulas e, assim, conservavam o estatuto de Novos.
Donde se prova que sou um "velho" temporão, assim a modos de fruta madura fora de tempo.
E assim foi que, muito jovem, aí pelos meus 15 anos, me atrevi a ir até ao Jordão, na noite do Pinheiro, para a Ceia dos Velhos!
Claro que me juntei à zona dos mais novos, os quase trintões, e ninguém me perguntou as horas...
Aí deparei os monstros nicolinos da época e, não recordando todos, estou a ver o António Faria Martins, Fernando Jordão, Embaixador António Faria,
Eng°. Alberto Costa, Dr. João Mota Prego de Faria, Costa do Castanheiro, Antonino Dias de Castro, Álvaro Martins, Humberto Pinheiro e João André, todos a botar sua faladura com tanto entusiasmo e tanta elevação que ali aprendi logo como se transforma uma rojoada numa celebração onde Saudade e Amizade se misturam e os mortos nos dão a presença dos numes e vêm festejar connosco um Santo eternizado na Alegria!
Oh! Como fiquei contagiado por aqueles engravatados senhores que ali eram todos protegidos da senhora Aninhas, a mãe dos Estudantes de que me sentia eu órfão!
Aí deparei, numa camada então mais jovem, mais próxima de mim, o atual Nicolino Mor, Eng°. Hélder Rocha, o Alexandre Rodrigues, o Belmiro Jordão e tantos outros que, de uma e de outra forma, traziam um contributo para alegrar a festa.
Foi numa dessas Ceias que os Velhos lançaram a proposta da criação da Associação dos Antigos Estudantes em cuja primeira Direção Faria Martins me escolheria para um honroso cargo de vogal.
Tanto deu força ao meu atrevimento para, também numa delas, me apresentar a declamar aquilo que chamei de Pregão dos Velhos e vinha afinal e só no seguimento de intervenções rimadas que os velhos por ali apresentavam, a intervalar as frequentes anedotas. E os Velhos gostaram e aplaudiram o atrevimento do júnior! E o júnior prometeu repetir e tem cumprido sua obrigação já sem graça...
Se me dou ao trabalho de justificar a origem do Pregão dos Velhos é para lançar uma ideia que pode valorizar (se tanto é possível!) as Nicolinas e não quero perder esta oportunidade.
De há uns vinte anos a esta parte a Ceia dos Velhos na noite do Pinheiro deixou de ser um exclusivo do Restaurante Jordão. Numa periferia de cinco quilómetros do Toural não existe um restaurante que nessa noite não sirva uma tertúlia de Velhos Nicolinos. Registe-se mesmo que alguns restaurantes e similares se vêm obrigados a organizar Ceias em série, ao cronómetro, para poderem servir os seus clientes nicolinos!
As Tertúlias Nicolinas são hoje, outrossim, uma realidade no meio vimaranense e cada grupo de Velhos Nicolinos realiza a sua Ceia para nela reviver os próprios "velhos tempos". E nessas Ceias Nicolinas surgem as inevitáveis intervenções, na sua maioria não escritas; ora aqui chego à proposta;
a) Que cada Tertúlia escolha um dos seus elementos para preparar e declamar um Pregão dos Velhos;
b) Que cada Tertúlia envie uma cópia de cada trabalho para a AAELG para arquivo e possível recriação futura da História das Nicolinas.
Esperemos que a sugestão não caia em saco roto.
Será uma forma simples e segura de registar para a posteridade a existência e fé nicolina das numerosas Tertúlias que felizmente continuam a viver a Festa depois de retirado o Pinheiro do seu posto milenário...
A. Meireles Graça 2001
Joaquim Novais Teixeira
Ao fundo, já se escuta a cadência dos sinais da festa que se repete, todos os anos, entre o cair de Novembro e os primeiros dias de Dezembro. Festa de saudade, para tantos espalhados por esse Mundo afora. Como o grande jornalista de renome mundial, Joaquim Novais Teixeira, que, no Notícias de Guimarães de 29 de Novembro de 1969 fez publicar o texto que aqui se recorda:
Sempre me alimentei da boca da infância. Ainda hoje as iguarias da minha mesa são o dia-a-dia da minha mesa de menino, tão raro nestas lonjuras do mundo!...
Depois, o espírito. Aí desabrochou. Cresceu, ganhou barbas cá fora, mas jamais perdeu as raízes. Quando digo que não sou português, sou de Guimarães, quero dizer na minha que Portugal é uma simples catalogação do homem vimaranense que eu sou.
Há, em mim, húmus-telúrico. Sou de Guimarães antes de Guimarães ser. Sou homem mais da Terra que da História. De Guimarães, me interessa mais um Amigo que o Castelo; mais as suas gentes que as suas muralhas. Neste sentido de eternidade que dou em mim ao homem de Guimarães, um Amigo veio antes ao mundo que a Dona Mumadona, e Deus sabe as chegadas à Lua que o esperam ainda? - e a que luas!
Depois dos sentimentos vieram as ideias. Ora, as ideias nascem, se desenvolvem e aperfeiçoam em mim sempre no caldear dos sentimentos que aí desabrocharam. Quando leio um livro que nada tem, as mais das vezes, com Guimarães, mas no que salta acidentalmente o nome de Guimarães, sinto, ao deparar com o nome, um sobressalto, o sobressalto de me encontrar a mim mesmo quando menos o esperava.
Não sou homem de dogmas, mas, se alguns me vêm ao subentendido são todos de Guimarães. No uso corrente da língua me ficaram palavras de Guimarães, ignoradas fora da nossa zona linguística. Por exemplo, Catixa!... Há muito pelo mundo a que dizer Catixa!... O Catixa! me surpreende com frequência quando falo de mim para mim, o que é mais frequente ainda.
A palavra Saudade está gasta e depreciada no nosso folclore de ocasião. É pena, mas não tenho outra para vos dizer que estou cheio, cheiinho de saudades vossas. Vocês não sabem que luzem mais em mim as luzes da Rua de Santa Maria que as de todos os Campos Elísios, romanos ou parisienses, deste Continente e dos outros?!
Tenho também o meu Calendário pessoal com os seus respectivos fastos. Todos de criança, todos de menino! Entre eles, os das Nicolinas, com o seu “Pinheiro”, com o seu “Pregão”, com as suas “Maçãs”.
Rapazes do meu Liceu, velhinhos meus: uma maçã das minhas para a mais linda rapariga de Guimarães! É difícil, impossível a escolha. Vem do coração, eu sei! Oh!, mas se Ela fosse neta de alguma moça que aí conheci ou namorisquei às portas da adolescência!...
E que o ribombar da pele da minha alma ecoe na pele dos vossos bombos para melhores destinos do Homem, do Homem acima e por cima da História, da História feita ou por fazer, do Homem da nossa Terra e de todas as Terras, do Homem sobre todas as coisas!...
Pregão dos Velhos
Na Ceia do Pinheiro de 199O, ano Domini, pelo autor dedicado ao antigo Mestre e Nicolino Dr. Moura Machado em memória e saudade da Turma B 48/5O.
Ó Velho Nicolino!
Deste agora em manhoso
E vens aqui matar dez meses de dieta?
Andavas de bengala e comes pressurosos
A fazer um xixi de branco na valeta?
Tu que andas lá por casa em reuma derreado
Comido de frieiras, roído de maleitas
Aqui te topo eu um moço aperaltado
A deitar o olhinho a velhas escorreitas !
Tu que vais a leitinho e cremes e puré
Lá mandas no rojão o dedo traiçoeiro
E do tinto o pixel nos mostras que já é
Vazio e escorrido. E vais já no terceiro?
Tu deves ser do Santo um caso milagroso
Fazia-te já morto e vejo-te porreiro
Aí na cavaqueira, aí num grande gozo
Provas que Nicolau é Santo milagreiro!
Tu que eras 'inda há pouco um velho cabotino
A tomar no doutor medidas de tensão
Agora vejo eu um jovem nicolino
De rija maçaneta alçada em tua mão!
Estou admirado! A tua ferramenta
É do Matos Dentista a certa abonação:
E vejo-te a comer sem medo da pimenta
A tripa farinheira e ossos da suã!
Trouxeste para aqui o garbo outrora havido
E viveste feliz a Nicolina Ceia:
De papas já se foi um prato guarnecido
De aletria te vi rapar a malga cheia!
Ah! Santo Nicolau, meu Santo milagreiro
Reserva para mim também igual destino
E deixa-me comer mil Ceias do Pinheiro
Falar de boca cheia ao jeito nicolino...
Atenção! Ó velhada! Os dentes em descanso!
O Hino uma vez só aqui vamos cantar
Naquele jeito alegre, naquele jeito manso
Desta noite feliz, deste alegre folgar...
E vamos lá partir na boa companhia
Dos filhos de Minerva, a Deusa da Ciência!
Rufem as nossas caixas em louca algaravia
E sofram os zabumbas bem dura penitência...
Partamos bem azinho a despertar a noite
A receber de Zeus, de Baco e de Vulcano
A força sideral que alegre nos afoite
A trazer o Pinheiro que espera lá no Cano!
Arranca pois dá! Há copos na Pescoça
E passe a propaganda, o tinto é bem fino:
Nessas caixas zurzi uma tremenda coça!
Faça tremer o mundo o braço nicolino!
Velhos não somos mais, alegre mocidade:
A romagem se faça em passo prazenteiro!
Que as hostes Nicolinas invadam a Cidade
E se ouçam no Iraque os toques de Pinheiro!
A.Meireles Graça, fecit