Pedem-me alguns ex-estudantes do nosso Liceu, homens ainda perfeitamente válidos, embora já um pouco amadurecidos, mas que, paradoxalmente usam, o título de (Velhos) estudantes, e exercem a simpática atividade social da benemerência, como sócios da Associação dos Antigos Estudantes, desta cidade, instituição a que eu também me honro de pertencer, que escreva duas linhas destinadas a um opúsculo Número Único, consagrado ao 75.°Aniversário do Ressurgimento das tradicionais Festas Nicolinas. Aqui vão essas linhas, que não passam de pobres e inúteis recordações de um passado já esquecido.
O ressurgimento dessas Festas de folguedo académico data portanto de 1895, ano em que um velho cábula — o saudoso Jerónimo Sampaio — aliado a outros antigos e novos estudantes vimaranenses desse tempo, teimaram em fazer reviver a tradição de umas horas de boémia e de alegria estudantil, resolvendo continuar a Festa, que de há muito estava interrompida, ao S. Nicolau, patrono dos escolares desta terra, rejuvenescendo assim a declamação estrondosa dos “bandos escolásticos”, de alguns dos quais foram autores, primorosos e inspirados poetas como Bráulio Caldas, Arnaldo Pereira e João de Meira, repetindo-se assim um programa festivo que já conta o remoto passado de dois séculos, e que a Irmandade de S. Nicolau, instituída em 1901*, anexa à Colegiada da Oliveira, realizava, onde só podiam tomar parte sacerdotes, beneficiados, letrados e estudantes, como rezam os seus Estatutos, precioso manuscrito que se conserva arquivado na Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, juntamente com todos os “Pregões”, a partir do ano de 1895 até hoje, e mesmo cópias de alguns de datas anteriores ao ressurgimento destas Festas (Vide “Revista de Guimarães” 1925, vol. 22, p. 166, e 1926, vol. 23, p. 29).
Mas...quem são, afinal, estes velhos estudantes de hoje? Também eu fui estudante do Liceu de Guimarães, do antigo Seminário-Liceu, e não resta sombra de dúvida de que hoje sou realmente um Velho, um “velho estudante”, se quiserem. Mas os que de mim se aproximaram, para me solicitarem esta descolorida prosa, estão longe de pertencerem a tal classe de invalidez, pois, com certeza, ainda não há muito terão deixado as bancadas escolares, ainda que os cabelos brancos lhes comecem a apontar. Do meu tempo, restarão ainda alguns “Velhos” nicolinos?! Sim..., que me lembrem, um Dr. Fernando Chaves, um Coronel António Flores, um Poeta Jerónimo de Almeida, e não sei se outros ainda andarão por este “Vale de Misérias”, ou já terão fugido para a “Terra da Verdade”.
Nunca tomei parte atuante nas Festas ao S. Nicolau. Mas fui, e continuo a ser, um simpatizante. Nesse meu tempo dos primeiros anos de estudante liceal, aí pelo dealbar do século, já havia naturalmente “Velhos estudantes” espécie de estudantes aposentados, que nunca tinham saído dessa precária situação porque nunca se haviam conformado com a maçada dos livros e preferiam enveredar por outros caminhos profissionais: — o Jerónimo Sampaio, que foi o recitador do “bando” no ano do ressurgimento das Nicolinas, o Álvaro Casimiro, o Carlos Abreu, o João Campos, e outros de cujos nomes já me não recordo. Mas ainda, a par dos estudantes “Novos”, como eu era então, nesse tempo já distante, havia também, não só “Velhos” estudantes, como estudantes “velhos”, que eram afinal os que frequentavam o Liceu por hábito ou distração, para ali procurarem apenas o convívio de outros companheiros da brincadeira, da pândega, da estúrdia, que apanhavam “raposas” sucessivas, até os pais se cansarem de tentar inutilmente, fazer deles doutores em leis, que era, por esse tempo, mais um título honorifico do que uma profissão, que os proprietários abastados ambicionavam dar aos filhos.
Ainda outra vez se realizam, neste ano de 70, as Nicolinas, com a chiadeira da carreada condutora do “pinheiro” anunciador da Festa, o “pregão” e o cortejo das “maçãzinhas”. Mas a assistência matinal às novenas da Capela da Senhora da Conceição, acompanhadas a caldos de unto e a música de tambor, as “danças”, o “magusto” e a noite das «roubalheiras», creio que já são números banidos do programa dos jovens liceais de hoje, quase ainda no uso do calção de meninos, mas que, apesar dessa meninice, chegam muito mais cedo a uma precoce maturidade, do que os cábulas matulões do meu tempo.
Os “Novos” e os “Velhos-novos” atuais persistem assim em continuar a tradição de uma Festa, que começa, infelizmente, queiram ou não, a tornar-se obsoleta e ultrapassada, como agora se diz, e que está fatalmente a caminho da sua extinção definitiva, pois só por uma espécie de milagre se tem mantido durante estes 75 anos!...
Mas tem de ser. Já em Coimbra, na multisecular e prestigiosa Universidade, vão acabando as velhas “praxes” académicas; já o estudante se confunde, no trajar, com qualquer indivíduo da classe civil, visto que pôs de parte a capa e a batina de tão interessante tradição; já se não perseguem os “caloiros” encontrados em pândega noturna, aplicando-lhe o inofensivo corte das melenas, o que foi bom para os rapazes que as usam à moda, exageradamente crescidas; já no ano findo se não realizou a Festa da “Queima das Fitas”, tão engraçada e espirituosa, que irradiava esfusiante alegria. Enfim, uma tristeza que invade este tempo de hoje, em que os estudantes se ocupam mais em afirmar e fazer valer pela violência as suas arrebatadas ideologias sociais, políticas e confessionais, do que em se consagrarem ao estudo e à ciência, vivendo alegremente e trabalhando, como gente moça e ativa, pelo futuro e grandeza da Pátria.
Pudesse este opúsculo comemorativo, intitulado «Os Velhos», que pela terceira vez se publica num período de 50 anos, e cujo primeiro Número, nos foi então dada a honra de organizar, servir de algum modo para incitar os atuais moços estudantes do Liceu Nacional de Guimarães a caminharem, sim, para um futuro melhor, mas com os olhos sempre postos nas lições e na experiência do passado.
Texto revisto
segundo o Acordo Ortográfico de 1990