Arquivo: Senhora Aninhas - Madrinha dos Estudantes

A Senhora Aninhas 
Madrinha dos Estudantes

Já muitas vezes tenho falado de gratidão, desse sentimento nobre que distingue os pulhas dos honestos.
Ora uma das mais belas facetas com que o nicolinismo me cativa, porque toca profundamente a minha alma de mulher, é a gratidão e a veneração dos nicolinos, especialmente dos mais antigos, para com uma figura do mundo vimaranense também, essa outra, que entre nós ainda poderia ser tratada por "mísera e mesquinha, que depois de morta foi rainha'. Refiro-me. é claro, a Senhora Aninhas.
Eu já não a conheci... mas vejo-a e ouço-a na minha imaginação, repleta de instintos maternais, solícita e bondosa, animando e repreendendo alternadamente, mas sempre cativando como uma verdadeiramente.
Figura romântica, por excelência, neste contexto romântico que assumem tantas das manifestações nicolinas, ela é recordada por quantos a conheceram e a admiraram e lhe souberam tributar o seu afecto e a sua gratidão.
Descreveram-ma um dia com tanto entusiasmo, tanta ternura e com uma tão saudosa lembrança que eu gravei, de imediato, na alma, gestos que não vi, mas pressenti como autênticos - e foram.
É “a Madrinha dos Estudantes" - belo designativo, inspirada eleição onde o enternecimento se junta ao nobre reconhecimento de quantos por ela foram acolhidos espiritual e materialmente.
Era a advogada de defesa das causas difíceis, junto dos Professores mais difíceis e renitentes em relação a um problema suposto Intrincado com um estudante mais cábula ou mais mariola. E tudo acabava por resolver-se. Por Isso, na toponímia vimaranense, todos conhecemos a travessa da Senhora Aninhas.
Não sei, porém, se os estudantes mais novos entendem bem a estatura moral desta mulher simples, em quem a afabilidade nunca se exauria, desta humilde vendedeira sem lucros que irradiava simpatia e confiança, que abria francamente as mãos antes mesmo que a necessidade tivesse sido expressamente confessada.
E fica bem ao espírito nicolino venerá-la, num culto que a tradição deverá preservar. Recordo - creio que não erro - que não há uma memória escrita, alongada, sobre a Senhora Aninhas.
Seria interessante, seria útil para os vindouros, que os actuais nicolinos perpetuassem, escrevendo para uma bela antologia, quantas situações, quantos episódios, quantos factos considerados dignos de registo a que estivesse ligado o nome dessa importante figura vimaranense. O saber fazer algo abnegadamente para bem dos outros, mesmo modestamente, é também grandeza. E por isso a sua recordação se imprimiu na memória de quantos a conheceram... mas a memória atraiçoa os homens, com o passar das horas, e o que se escreve, não. Permanece e projecta-se.
Então, aqui fica o alvitre:
-Um busto da Senhora Aninhas a colocar num local da cidade
-Um livro que a retrate para a posteridade
Maria Conceição Campos


“… a loja era uma pequena lojeca de uma porta só, que se espreitava com os dois bancos de madeira, compridos, mas de pernas baixas, onde nos íamos sentando na conversa e de onde víamos quem passava, conforme o espaço disponível permitia. Dentro, um cubículo pouco mais largo que a porta de entrada, as paredes enegrecidas pela fumarada vinda da cozinha, em lareira de pedra, situada no fundo, noutro aposento que dava para o quintal”.


A Senhora Aninhas ganhou por justiça, reconhecida por gerações de nicolinos, um espaço no seu coração e, ainda, a condição de Mãe ou Madrinha, quantas vezes amiga, conselheira e educadora. Foi uma referência para os jovens que marcaram uma época e que deixa transparecer numa certa aura de mito e saudade.

Por tudo isto os estudantes revelaram sempre para com a Senhora Aninhas um sentimento de gratidão. E se para ela, eles eram os seus meninos, para eles, ela era a sua mãe, fazendo passar à sua porta o cortejo do Pregão.


Era uma loja... não, uma lojinha
Com dois bancos corridos à entrada
Lá por dentro arcas, caixas de farinha
E uma vitrina à porta pendurada

As paredes escuras da humidade
E as traves do tecto negrejantes.
Mostravam bem que ali passara a idade
E que tudo estava. agora como antes

Casa cheia de moços todo o dia
Entre eles uma figura de anciã
Que ora os escutava, ora dormia
Apesar do bulício que ia lá,

Livros por toda a parte uma guitarra
Ali deixada por um bom artista
um cascol, um colete, uma samarra
e um corno de boi a dar na vista

Ao fundo uma cozinha cor de breu
Em dias de calor extraordinário
Alguém janota ali água bebeu
Por um púcaro de barro centenário

Quem passasse no sítio e não soubesse
Que de estudantes era um santuário
Talvez que estranhasse e se benzesse
Ante aquele fantástico cenário

Era ali mesmo, mesmo a Seraninhas
A madrinha dos jovens estudantes
Romântico beiral das andorinhas
Que vinham dos países mais distantes

A Seraninhas o centro cavaqueiro
De uma crítica acerva com requintes
E autópsia de escândalos caseiros
Entre largas fumaças de «três vintes»

A figura provecta da madrinha
Nossa amiga de todo o coração
Que além de um negócio de farinha
Vendia avulso cigarros a tostão

Quem a pode esquecer? Doce velhinha
Toda encurvada na pele era urna engelha
Mas tivesse eu a alma que ela tinha
Do amor humano a fúlgida centelha

São Nicolau no Céu tem-na a seu lado
Que tanta honra deve quem lha presta
Quantos bonecos terá ela guardado
Na sua loja em nicolina festa?...

Quanto pregão ouviu à sua porta
Com os olhos repletos de emoção
Sua alma nicolina não é morta
Ela ainda vive em nosso coração
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