Arquivo: Senhora Aninhas
Sra. Aninhas
Compilação de alguns textos existentes sobre a Sra Aninhas realizada pelo professor Álvaro Nunes, para a área de projecto da Escola Gil Vicente.
De acordo com o livro "A Senhora Aninhas, mãe dos estudantes nicolinos", de Lino Moreira da Silva (páginas 25 e seguintes) a Senhora Aninhas de nome completo Ana Joaquina de Magalhães Aguiar, nasceu em 14 de Outubro de 1860 (portanto comemorou-se 150 anos do seu nascimento) e era natural da freguesia de Quinchães, concelho de Fafe.
"Veio para Guimarães, ainda com pouca idade (...) e foi desempenhar funções de criada de servir (...). Numa das casas onde a Senhora Aninhas serviu foi no solar dos Condes de Margaride, no Largo do Carmo. Nele tomou os primeiros contactos com os Estudantes que, por altura das Festas Nicolinas, ali tinham reservada Posse de mesa posta, com muito do bom e do melhor, para manter a tradição, adoçar a boca e bastantes deles para compensar privações diárias. (...)
Ela conheceu o noivo em Guimarães, o António André. Tratou-se de um amor primeira vista, e o namoro não se prolongou por muito tempo. Casaram em 27 de Setembro de 1893.
Por sua vez, o Senhor António André nasceu no concelho de Boticas, em 1855. Fez-se empregado do Liceu (que na altura funcionava no Convento de Santa Clara e actual Câmara Municipal de Guimarães), exercendo as funções de Bedel (actuais auxiliares de acção educativa). Era ele, juntamente com outros funcionários que atendia os professores e alunos, abria e fechava as instalações, tocava a sineta de entrada para as aulas,etc
A Senhora Aninhas ficou viúva em 1927. (...)
A Senhora Aninhas, ficou mais tarde conhecida pelo apelido de Aninhas Farinheira. A razão deste tratamento popular ficou a dever-se a uma das principais ocupações, a de trabalhar com farinha, que vendia ou trocava por milho, que depois mandava moer.
Ora, estas trocas e vendas operava-as a Senhora Aninhas na sua lojinha da Rua de Santa Maria. Aí, ela comercializava, além de farinha, que lhe valeu o tal título popular de Senhora Aninhas Farinheira, hortaliças e artigos de mercearia, frutas e legumes, molhos de lenha e tabaco. A loja da Senhora Aninhas era no rés-do-chão, morando a Senhora por cima.
Um caso singular na loja da Senhora Aninhas era a existência de uma balança de travessão, suspensa no travejamento do tecto, de grandes dimensões, para pesar o milho ou a farinha e onde também se iam pesar periodicamente as senhoras das redondezas, suas filhas e parentas. O local permitia assim o diálogo entre elas e os estudantes, pelo que muito naturalmente a loja constituía mais um centro de interesse.
Além da balança existiam dois bancos (duas tábuas toscas, dois sarrafos em que entalaram grosseiramente uns paus para servir de pernas), que estavam dispostos adiante da porta, um em frente do outro, e era neles que os estudantes tinham por hábito irem-se sentar. A Senhora Aninhas ocupava outro banquinho (a rasa, como ela lhe chamava) que tinha lugar no meio dos outros dois, onde nos intervalos dos seus afazeres tomava a companhia dos estudantes.
Sabe-se que nas paredes da lojinha os estudantes gravavam os seus nomes e deixaram inscrições (daquelas com rasgos
atrevidotes e tudo).
O que prendia os estudantes à loja da Senhora Aninhas era sobretudo a facilidade com que ela se sabia relacionar e o modo como essa sua facilidade tocava a sensibilidade dos estudantes. Desses estudantes, à boa parte que era de longe faltava-lhe as raízes da terra e viam-se sem o acompanhamento da família e o aconchego do lar. A Senhora Aninhas desde cedo compreendeu essa realidade, pelos contactos que tinha com os estudantes, ao que não foram alheias as funções de contínuo que o marido desempenhava no Liceu.
E que a atracção sentimental exercida pela lojinha era uma realidade, provam-no, por exemplo, estes versos de um Pregão de 1931:
Eu nunca gostei de dar nas vistas
De quem vai ao café Oriental
Antes quero comer duas sardinhas
Dentro da loja da Senhoira Aninhas
Além disso, a Senhora Aninhas lá fiava o tabaquinho, ou até emprestava 5 ou 10 tostões, que por vezes eram pagos através do Pregão, como neste de 1944:
Este Pregão dedico-o à nossa Ser'Aninhas
Aquela que aturou as estroinices minhas
E a quem num pagarei um "calo" de almirantes ...
- Mania assaz revelha em bolsa de Estudantes ...
Meu calote atingiu o cume de um tostão ...
Com juros, hoje, pois, liquido-o no Pregão,
Pedindo-lhe clemência, aqui, de mãos erguidas,
Pr'a meus distúrbios maus e minhas ruins partidas.
Que a Santa me perdoe e dívida barbada
De há quasi meio século e hoje "alfim" ... saldada.
Outro texto de autoria de Aurélio Martins, publicado no Notícias de Guimarães de 16 de Maio de 1943, recorda os seus tempos de Liceu, por alturas da implantação da República:
Vamos à Ser'Aninhas, a Avozinha
De todos nós, rapazes do Liceu
Como era boa e hoje, já velhinha
Saúda-nos quais jóias que perdeu!
(...)
A Senhora Aninhas, hoje já tão velhinha,
É bem uma relíquia do passado.
Vive no coração essa Avozinha
Seu nome em letras de oiro bem gravado!
Hoje vimos trazer ramos de flores
Não a esquecemos um momento só
Ela dirá, ao ver os seus doutores:
Olha os meus netos a lambrar a Avó!
À hora do almoço, vários eram os estudantes que iam à lojinha dsa Senhora Aninhas almoçar. Não era só para que a refeição lhes ficasse mais barata. Mas sobretudo tratava-se de uma preferência. Aliás, a Senhora Aninhas, que por princípio não servia almoços para fora, estava sempre pronta a cozinhar para os estudantes (...)
A sua ementa mais habitual eram as moletes, feitas com dois ou três ovos, fermento e alguma farinha, ou os bolinhos de bacalhau (tipo pastelão, achatados, com mais batata do que bacalhau, e muita cebola e salsa) e ainda os bolinhos de bacalhau mal feitos (uma outra variedade de bolinhos mais aligeirada), o rolo de carne, os bolos caseiros com sardinhas ou carne de porco e rabanadas ...
Por isso, quando esta doente e idosa deixou de cozinhar, escreveu-se no Pregão de 1946:
Não podemos comer, como dantes, sardinhas
Assadas a grane na boa Sôr'Aninhas!
Convençamo-nos, sim. Tenhamos paciência
Pois sempre nos faz bem fazer abstinência.
O maior ajuntamento de estudantes à porta da Senhora Aninhas fazia-se no intervalo das aulas. Aí, ficavam a conversar, contar anedotas, fanfarronar, a poregar partidas ou a tocar instrumentos e a cantar, por vezes faltando às aulas. A Senhora Aninhas, a esses, bem lhes dava conselhos: "Meninos, vão-se embora estudar!"
Por isso também às vezes, quando por falta de estudo ou por sarilhos as coisas corriam mal, os mais aflitos iam ter com ela e pediam-lhe que fizesse pedidos aos professores ou até na Guarda Republicana que também a conheciam e respeitavam.
Um outro aspecto também interessante da vida da Senhora Aninhas foi o seu empenho na causa da monarquia, talvez adquirido no solar dos Condes de Margaride, no Largo do Carmo, por onde passou como criada de servir. Assim, com os estudantes, ela mantinha longas conversas, procurando rebater os seus pontos de vista republicanos.Por vezes até aproveitavam-se disso para a provocar ou para obter os seus favores, como fiar tabaco. E quando ela não fiava, gritavam: "Abaixo o João Franco! Acima o Afonso Costa! Fia ou não fia?" . E se ela acabava por fiar emendavam e gritavam "Viva o João Franco! Viva!"
A Senhora Aninhas ajudava ainda os estudantes em muitas tarefas da organização das Festas Nicolinas.
Também, durante as Novenas na capelinha de Nossa Senhora da Conceição, os estudantes, na passagem pelos campos, arrancavam nabos e hortaliças ou "roubavam" e/ou pediam hortaliças e fruta no mercado que ofereciam à Senhora Aninhas. Por vezes, também furtavam galinhas, sem o consentimento da Senhora Aninhas, como se escreve no pregão de 1942:
Guardava e cozinhava um furto de galinhas,
Com infinda paciência, lo boa Ser'Aninhas.
E às noites - quanta vez! - se o bando reunia
À volta da lareira - ó ceia consolada! -
Espírito e chalaça - a guitarra gemia
Nas mãos do Zé Roriz, até de madrugada ...
Era assim, era assim ... E como tudo passa!
Sabia-se viver com arte e muita graça!
No ano de 1945, durante a ceia do Pinheiro a Senhora Aninhas participou na homenagem que lhe prestaram em vida os nicolinos velhos e também esteve presente no sarau de gala, a 6 de Dezembro (Dia de S. Nicolau) no Teatro Jordão. Nessa altura, os estudantes estenderam solenemente as suas capas pelo chão e chamaram-na ao palco, fazendo-a caminhar sobre elas ...
A Senhora Aninhas viria a falecer a 2 de Agosto de 1948. Escreveu-se na altura, em 6 de Agosto, no Comércio de Guimarães:
" A notícia entristeceu todos os que dela tiveram conhecimento. A Senhora D. Ana de Magalhães, de avançada idade e que há tempos se encontrava em perigo de vida, era muito prestável e conhecida como MÃE DOS ESTUDANTES. Pela sua casa passaram sucessivas gerações académicas que da bondosa finada recebiam conselhos, carinho e agasalho. Desapareceu uma figura popular e estimada."
Esta morte mereceu de Delfim de Guimarães o seguinte soneto, publicado no jornal Notícias de Guimarães de 8 de Agosto de 1948:
O que ela nos sofreu! As nossas travessuras!
As dívidas que nunca a malta liquidou!
Os desgostos por nós, por nós as amarguras
As noites que essa Santa, e dias que passou!
Para a malta fumar faziam-se mil juras,
Sem as acreditar o que ela nos fiou!
Seus ralhos eram sempore um favo de ternuras
E nunca um Estudante a Santa maltratou!
Quando nos via ao lombo a pérfida raposa,
Ficava muito triste e, sempre carinhosa,
Ralhava-nos com mel, que nos fazia bem ...
De rapaz, muito novo (os anos que lá vão!)
Eu trago o seu retrato, aqui, no coração.
Estudantes. chorai! Morreu a nossa Mãe!
E mesmo depois da morte continuou viva na memória dos estudantes, como se pode ler nos excertos de dois pregões, respectivamente de 1951 e 1955:
Ó nossa Mãe pelo amor, ó MÃE DOS ESTUDANTES,
Pr'a sempre viverás em nós, Senhora Aninhas!
Circumdem-Te no Céu estrelas cintilantes,
Pois mesmo lá a Festa alentas e acarinhas.
Os Velhos, por amor eterna e gratidão,
Hão-de lembrar teu nome a cada geração!
Ó Santa de eleição, ó Mãe - Senhora Aninhas,
Que mesmo lá do Céu teus filhos acarinhas,
Os Velhos a chorar, recordam com saudade,
O tempo bem feliz da alegre mocidade!
Reflexo salutar do teu amor distante
Estás abençoando a "chance" do Estudante!
E de novo, Delfim de Guimarães, no Notícias de Guimarães de 2 de Dezembro de 1951:
Voou a Alma gentil desta velhada
Ao reino da verdade omnipotente,
E lá, no Assento Etéreo, aconchegada,
A todos nos espera sorridente ...
Minerva, a nossa Deusa tão amada,
Deu-lhe um beijo na fronte docemente ...
Chamou-lhe Mãe Aninhas enlevada
E levou-a a abraçar Gil Vicente.
O Poeta dos Autos, indeciso,
Perguntou a Minerva num sorriso:
Donde são estes olhos tão brilhantes?
- Da tua terra foram ... Lá choraram.
Os seus olhos de Amor iluminaram
Os velhos e os novos estudantes.
Em 1951, a Câmara Municipal de Guimarães atribui à Viela dos Laranjais o nome "Travessa da Senhora Aninhas". Mais tarde, em 1971, foi descerrada uma lápide na casa onde morou, na Rua de Santa Maria, nº. 57, na qual se lê:
Aqui nos abriste o peito;
Aqui te quisemos bem;
Aqui foste, de Estudantes
Conselheira e Santa Mãe.
À Senhora Aninhas
Os Antigos Estudantes.
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A Senhora Aninhas
Ana Joaquina de Magalhães Aguiar era natural da freguesia de Quinchães, concelho de Fafe. Veio para Guimarães muito nova, trabalhar para a Casa dos Margaride, no Carmo, desempenhando as funções de criada (de serviço).
O Senhor António André era originário do concelho de Boticas, Trás-os-Montes (onde nascera, em 1855).
Conheceram-se em Guimarães (e o amor deve ter sido fulminante, porque o namoro não se prolongou durante muito tempo).
António André era funcionário do Seminário-Liceu da cidade (antigo Convento de Santa Clara, hoje Câmara). Ana Joaquina explorava uma loja/mercearia de variedades (das quais se destacava a farinha) aí ao lado, na Rua de Santa Maria.
Seria o Liceu a marcar a vida da Senhora Aninhas: pelo casamento, mas também por tudo o que deu a gerações e gerações de estudantes daquela instituição.
Do casamento, que durou trinta e quatro anos (até à morte do Senhor André, em 1927), nasceriam os filhos que foram, em Guimarães, o fruto da união, pelo Amor, entre um ser humano de Boticas e outro de Fafe.
A História da Senhora Aninhas, Madrinha dos Estudantes desta Cidade, é o exemplo cimeiro de como uma Pessoa simples, bondosa e humilde pode deixar uma marca inapagável no coração e no imaginário de todos.
Registo de casamento de António André e Ana Joaquina de Magalhães Aguiar, paróquia (e igreja) de Nossa Senhora da Oliveira (Santa Maria).
Informação recolhida por Paulo César Gonçalves