Alberto Abel Meireles Pinto Graça
É-se de onde se nasce, mas também de onde se vive.
Desta frase singular se constata a verdade que encerra, testemunhada desde a sua chegada a Guimarães. Natural de Freamunde, Paços de Ferreira, distrito do Porto, A. Meireles Graça haveria de dedicar-se desde muito novo a Guimarães. Nascido a 8 de Abril de 1937, com três anos fica entregue a seus Avós maternos, na Quinta do Engenho, em Eiriz, Paços de Ferreira, local mágico da sua infância.
Sem Mãe desde essa tenra idade, para sempre recordaria sua Avó Augusta - a augusta Senhora, tão extremosa e maternal em seus cuidados. O Avô - Professor Custódio de Mattos Peixoto Meireles, sempre lhe incutiu bons princípios, disciplina, um grande sentido de organização. De personalidade forte e vontade firme, aposentado em consequência de seus ideais democráticos (de que seu neto seria também seguidor entusiasta), de uma correção moral e frontalidade que deixaram testemunhos até hoje, influenciou profunda e significativamente seu neto, a quem educou na consciência da responsabilidade.
Aos sete anos A. Meireles Graça vem viver com o pai, em Guimarães, numa casa da Praça de S. Tiago, a atual sede do Instituto Britânico, por sugestão do Avô que assim o furto aos mimos de D. Augusta.
Em 1944 entra na Escola de Santa Luzia. O seu Professor - João Guilherme da Silva Leite - natural de Serafão, Fafe, outro ídolo seu, pela severidade e competência de seu múnus, após melhor conhecer o aluno, aconselha seu Pai a inscrevê-lo no Liceu e não na Escola Técnica, na qual estudaram seus cinco irmãos. Sobressaindo pelo brilhante desempenho na Escola, recebe o Prémio Martins Sarmento em 1947.
Em 1948 frequenta o Liceu de Guimarães. Nesse ano a família regressa a Freamunde, onde o Pai, gravador joalheiro, estabelecido no ramo de ourivesaria, se defronta com imprevistas dificuldades financeiras devido a créditos pendentes - situação que levará A. Meireles Graça, por decisão própria, a deixar oficialmente os estudos. De novo em Guimarães, emprega-se num escritório e continua a estudar, como autodidata. Fruto de sua inteligência, dedicação e estudo é promovido sucessivamente. Com 17 anos é legalmente emancipado para obter do Sindicato a carteira de Guarda-livros. Aos 2O anos inicia uma carreira paralela no ramo dos seguros e vai de angariador a inspetor produtor numa importante Companhia de Seguros do ramo Vida...
Desde cedo os livros o acompanharam no percurso da sua vida - estudando de motu próprio, sem que estivesse inscrito, não seguindo programas oficiais - mantém-se em contacto com os colegas e assim ligado a atividades académicas.
Possuidor já de formação técnica e sem dificuldades económicas, viaja pelo mundo, como sempre foi de seu agrado. A sua natural curiosidade e interesse pelo conhecimento, o seu gosto pelas letras, a original capacidade para a escrita acompanham o dom da palavra: sendo um orador nato, sobressai no seu discurso uma erudição formada de leituras, de reflexão constante, de energia surpreendente, de vivacidade inefável, ao mesmo tempo que valoriza a experiência e o esforço do trabalho como fator diferenciador na vida humana. A Poesia é uma segunda natureza, brota espontaneamente, sendo difícil encontrar tanto sentimento em alguém possuidor de uma tal clareza de raciocínio. A vertente racional e poética coexistem sem entrar em contradição, ambas patentes nos seus escritos independentemente da forma. A sua colaboração na imprensa regional desde cedo tem lugar. Capacidade de trabalho, raciocínio e determinação, rapidamente lhe trazem sucesso profissional que aliado à juventude e vivência afetiva o levam a relegar para segundo plano a possibilidade de frequentar a universidade.
Dedica-se à área de estudos preferida, aperfeiçoando os seus conhecimentos em Contabilidade e Organização, decidindo-se por uma carreira profissional, revelando cedo ser talentoso, trabalhador, responsável. As suas qualidades pessoais e profissionais trazem-lhe êxito como Contabilista. Convidado para nessa qualidade desempenhar funções em várias empresas, trabalhou efetivamente em diversas e em simultâneo, forçado a declinar várias propostas pela impossibilidade de corresponder a múltiplas solicitações.
Membro do Gabinete de Imprensa de Guimarães, com significativa colaboração em associações vimaranenses, entre outras - membro fundador da Unidade Vimaranense, do Cine - Clube de Guimarães, do Lyons Clube, os seus artigos na imprensa denotam sempre a estreita ligação e dedicação a Guimarães, sem no entanto esquecer as suas raízes, em Freamunde.
No contexto de uma vivência familiar, casado, com três filhos, não descura jamais a vertente profissional nem a responsabilidade familiar - tendo sido sempre o único sustentáculo da família que constituiu. Do seu tempo muito ocupado pelo trabalho, conseguia sempre dedicar atenção aos filhos.
Os interesses vimaranenses, o orgulho na Cidade "Berço da Nação", patenteiam-se em quase todos os seus escritos, através de um "criticismo" frontal que nos invoca, sacudindo as consciências adormecidas no quotidiano, por vezes com uma "causticidade", uma acutilância que nem a todos agrada. O poder instalado por vezes teme o poder da palavra, preferindo cultivar a palavra do poder.
Há um "imperativo categórico" de consciência que atravessa a produção literária de A. Meireles Graça, em cujos escritos a sátira social predomina, assumindo contornos de intervenção, desvelando a corrupção, a hipocrisia e o ridículo de uma sociedade que perdeu os valores tradicionais. A defesa de valores como a tradição, o bairrismo, o amor pátrio; o diálogo com o povo patenteiam-se na prosa e na poesia, dispensando citações, uma vez que se encontra representado em quase todos os seus escritos. O estilo satírico ressalta nos Pregões de S. Nicolau de que é autor - género poético único, de características peculiares que só existe em Guimarães.
Senhor de convicções religiosas muito peculiares, dos seus tempos de estudante do Liceu de Guimarães conserva a devoção a S. Nicolau - padroeiro dos estudantes e particularmente dos "Nicolinos" (assim nomeados porque, seus devotos e protegidos, lhe prestam devoção de variegados e bizarros modos, a cujo conjunto a tradição académica vimaranense atribuiu o termo genérico de "Festas Nicolinas").
Neste contexto tão familiar a A. Meireles Graça consagrou o autor ampla produção literária. A sua atuação no âmbito da "causa nicolina" não fica pela (fascinante) produção poética e em prosa, já que promoveu, impulsionou e participou ativamente em diversas atividades relacionadas com esta tradição académica vimaranense. Ignorando intempéries, Nicolino assíduo nas Festas Nicolinas, profundamente empenhado na sua promoção e estatuto, destacam-se entre outros significativos contributos: Fundador da Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães (cuja Assembleia Geral presidiu de 1978 a 1997) recupera antigas tradições nicolinas, entre as quais "As Danças de S. Nicolau".
Data de 1972 o texto das primeiras "Danças de S. Nicolau" escritas por A. Meireles Graça, tendo representado um reabilitar de uma tradição nicolina então esmorecida, conforme no próprio texto é anunciado pela voz de D. Afonso:
(...)
São danças da Corte, finas
Agora ressuscitadas Nestas Festas Nicolinas
Já no meu tempo faladas! (...)
As Danças de S. Nicolau não são teatro, não são bailado, não são música: são de tudo um pouco (...) . Esta frase traduz bem a riqueza deste tipo de representação: peças teatrais quanto à forma, com temas variados, as Danças de S. Nicolau, em texto rimado, de natureza satírica, apresentada em moldes de farsa, vai em forma falada (monólogos, diálogos) e cantada.
Dando voz à vontade dos colegas, lança a proposta de reconstrução da Capela de S. Nicolau - recentemente reposta no seu primitivo local, no culminar de um esforço concertado da comunidade nicolina, conforme podemos ler na apresentação das Danças em finais da década de 8O, aquando da louvável iniciativa: início de um esforço concertado das forças vivas da cidade de Guimarães pela reconstrução da Capela de S. Nicolau na Colegiada da Oliveira e continuidade do esforço concertado das forças vivas da cidade de Guimarães pela reconstrução da Capela de S. Nicolau na Colegiada da Oliveira .
"O Pregão de S. Nicolau" - crítica em forma poética satírica, discurso lido e representado, rimado, vai do génio do autor - poeta que o engendra, às "goelas" do pregoeiro que o "declama/berra" pela cidade, pondo á prova a capacidade das suas cordas vocais (estando talvez aí o pretexto para uns canecos de tinto capazes de repor a normalidade vocal, e que o bando escolástico - colaborante - se apressava a imitar por solidariedade com o pregoeiro e sua árdua missão). A vertente satírica não se confina aos desmandos da cidade, mas também aos da Nação e não só.
O autor empresta o seu estro, invoca as musas, vaticina, o pregoeiro torna público pela cidade o resultado dessa inspiração. O Pregão" é para o Povo: aconselha-o, alerta-o, previne-o.
As referências bibliográficas apresentadas referentes aos "Pregões de S. Nicolau" da autoria de A. Meireles Graça abrangem toda a produção nesta tipologia; as referências bibliográficas das "Danças de S. Nicolau"; "O Pregão dos Velhos" (estas ficam incompletas, dado que à altura de realização do trabalho de recolha de dados bibliográficos as fontes não se encontravam disponíveis na totalidade) poderão ser encontradas na presente compilação, sempre reportando à data de realização do trabalho de recolha - Julho de 1999 .
No que concerne à produção de índole não nicolina, de novo a expressão satírica ressalta nos textos de "Os Reis da Assembleia de Guimarães: cantados em dia de Reis, dedicados aos sócios da Assembleia de Guimarães.
"A queima de Judas" representa a repescagem de uma tradição vimaranense caída no esquecimento, a pedido do Nicolino Capela Miguel, então diretor do Círculo de Arte e Recreio.
Relativamente ao campo profissional, a sua capacidade interventiva e dialogante traduz-se em iniciativas relevantes: aciona junto do IAPMEI a realização em Guimarães do Curso de Direção e Gestão de Empresas, até então só existente em Lisboa, frequentando-o e divulgando-o entre os colegas, atingindo sob a sua direção o recorde nacional de sete cursos com 148 inscritos, sucesso que levou o IAPMEI a descentralizar em definitivo a sua área de formação, distinguindo a este propósito A. Meireles Graça com um prémio específico.
Assumido opositor antes do 25 de Abril de 1974 à política então vigente, nesse contexto problemático lutava já pelo reconhecimento e valorização da profissão, razão pela qual, em 1972, lançou em Guimarães o movimento que, secundado pelos colegas de Lisboa, viria a forçar o reconhecimento oficial dos Técnicos de Contas, sendo fundador da primitiva Câmara dos Técnicos de Contas, do CETEC - Centro de Estudos de Técnicos de Contas de Guimarães; da Protocontas (com sede em Lisboa), e do Instituto de Apoio aos Técnicos de Contas que veio a suceder à dita Câmara para criar espaço à atual Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC).
Não obstante ser avesso a cargos diretivos e/ou políticos, integrou a primeira direção eleita a nível nacional da CTOC, a convite dos Colegas.
A sua exigente e constante atividade profissional não obstou á participação ativa em congressos e seminários, nem à sua presença nas horas de luta que marcaram o reconhecimento oficial da sua profissão. Mas volvidos estes desafios profissionais, logo reassume uma atitude discreta, simples, dedicando- se a atividades de lazer como a caça, substituída mais recentemente pela pesca e pelos passeios no campo, pelo sossego cálido das aldeias, escutando vozes antigas, as vozes sábias do povo, celebrado nos seus escritos, o Povo industrioso de que se sente parte e pelo qual sempre pugnou.
Profundamente contrários a tudo quanto seja a seus olhos vaidade e presunção, muitos dos seus escritos permanecem guardados, inéditos, sem que o pedido dos filhos o tenha movido á publicação dos mesmos.
Esta iniciativa da AAELG representa uma quebra desse silêncio, no que diz respeito à produção literária nicolina.
Sendo difícil na qualidade de filha, escrever uma biografia sintética de meu Pai (porque o seu percurso humano e profissional é demasiado rico para caber em sínteses) - já que se incorre quase de imediato na suspeição de a afetividade distorcer o discurso - creio bem que as minhas palavras não soarão como mero elogio filial aos ouvidos de quem o conheça e de quem tenha lido alguma vez aquilo que escreveu. Antes na certeza que estas "pecam por defeito", não refletindo dessa realidade a imagem inteira em toda a sua beleza e valor, faltando-me o engenho literário de meu Pai, a sua energia e conhecimento resta-me aguardar que alguém mais conhecedor e habilitado do que eu o faça.
Guimarães, Outubro de 2OO1
Cláudia Maria Escobar Meireles Graça
Homenagem ao Nicolino A. Meireles Graça