Arquivo: Acerca da designação "Festas Nicolinas"

 
Acerca da designação Nicolinas, atribuída às festas dos estudantes de Guimarães:
Estas festas nem sempre foram chamadas assim, usando-se antigamente a expressão "Festejos a S. Nicolau". Tanto quanto conhecemos da documentação conhecida, a palavra nicolinas apareceu no início do século XX. Ao que sabemos, o documento mais antigo em que essa expressão foi usada terá sido o pregão de 1904, escrito por João de Meira, que terminava assim:

Rapazes! Nossa música divina
Capaz de estremunhar até Morfeu!
A Música da festa Nicolina
Que a terra abala e desconjunta o Céu!
Mais força, se é possível, mais ferina,
Que inda não é bastante este escarcéu!
Façamos tal restolho, tal chinfrim
Que o inferno pareça aqui assim!...


 João de Meira, por Abel Cardoso. Colecção da Sociedade Martins Sarmento.

Voltamos a encontrar a expressão Festas Nicolinas numa notícia sobre a célebre posse do Padre Monteiro do ano de 1904, publicada no jornal Independente, em 11 de Dezembro daquele ano João de Meira era um dos principais colaboradores daquele jornal.

Fonte:http://araduca.blogspot.com


Nas Danças de S.Nicolau de 1906

Serão as jóias mais finas
Com que a Briosa dotaes
N'estas festas Nicolinas,
Nas festas que vós amaes.

 

Festas Nicolinas

De Norte a sul do país, nesta terra chamada Portugal, não há sítio, lugarejo, aldeia ou povoado, que não tenha o seu costume, a sua lenda, as suas tradições, construídas e afirmadas ao longo dos séculos. 

Nestas terras galegas que se afirmam como "berço desta Nação", desde Lanhoso a Monção, de Esposende a Terras de Mondim, até em terras de Santa Maria  de Vimaranis, não há classe ou grupo social, bando de gentio que não tenha os seus folguedos e culto, desde a mais distinta à mais humilde e analfabeta manifestação sócio-cultural.

O povo português em especial, os latinos e célticos genericamente, tem a sua ancestralidade numa abundância de festas e folguedos a Deuses naturais, verdadeiros ou falsos, antropomórficos imaginários ou simplesmente humanos, para mitigar as agruras da vida, ou para dar largas aos medos e ansiedades, ao seu espírito inquieto ou ainda para expandir as suas alegrias e tristezas. São Festas aos patronos, são romarias, peregrinações que, na sua origem, foram produto de uma religiosidade espontânea, manifestação sincera da alma simples de um povo que, com o decorrer do tempo e de forma lúcida, foi tomando carácter profano ou religioso, conforme se foi apropriando do hábito que se fez em tradição.

Conforme o seu mister, além do Povo, até as superiores elites com a sua inteligência, todos têm comprometida na sua comunidade, a sua festividade tradicional ou seja, o encontro com o gentio que comunga das mesmas crenças...
A Academia Vimaranense não podia ser excepção, afinal existe há centenas de anos. Nesse tempo todo se construiu, ao longo dos séculos uma festividade única, porque original e criativa; porque assumida plenamente pela comunidade e por ela participada; porque interessante nas iniciativas que são os números destas Festas ao sr. S. Nicolau animadas ano-a-ano por sucessivas gerações de jovens.
Vejamos em síntese a possível evolução conhecida por que passaram os folguedos das Nicolinas ao longo das épocas...
Em 1190, ao tempo em que Portugal ensaiava os primeiros passos na construção de uma nação, Paio Galvão foi renomeado mestre da Escola da Colegiada pelo primeiro D. Prior conhecido, D. Pedro Amarelo. Os estudantes de Humanidades desta vetusta Escola, erecta na igreja de Santa Maria de Vimaranees, tinha a sua devoção à Virgem desde o Séc. IV. Dizem que foram a origem remota das Festas ao senhor S. Nicolau.
Esta tradição que hoje faz parte do rico património vimaranense, soltava os rapazes pelo Solstício de Inverno em folguedos e corridas pelos campos, dando gritos e gritas, comemorando S. Nicolau, cujo culto tinha sido muito difundido na Europa. Do séc. III ao séc. XV a tradição foi-se manifestando em comemorações mais ou menos similares às do resto do Mundo.
Os jovens estudantes recolhiam lenha, castanhas e nozes, dióspiros e maçãs. Faziam a sua posse em casas fartas ou em caseiros e lavradores de folguedo e organizavam um grande MAGUSTO no rossio do Toural. Em pleno terreiro junto à grande fonte, para onde era convidada toda a população juntavam-se todos em abundante folguedo popular. Eram poucos os estudantes naquela altura e, portanto, o convívio era próximo, envolvente, fraternal. A anunciar a Festa Nicolina como ainda hoje se faz em comunidades rurais, era alteado um arco de varas elegantes, engalanadas a preceito com fustão colorido e recortado com a criatividade dos mais atrevidos. Os jovens mais modestos, traziam a árvore - O Pinheiro - e espetavam-no na praceta, deixando-lhe a ramagem no cocuruto. O mastro anunciava assim o começo da Festa. A Festa ao senhor S. Nicolau patrono dos meninos indefeso, dos estudantes, dos ladrões e até dos pescadores pobres da costa...
Depois do Magusto eram distribuídas as maçãs pelos populares, homens e mulheres, como dote, como privilégio, ou prova de amizade, quantas vezes para matar a fome - a do corpo e a da alma - a muita gente anónima. Sobretudo às mulheres jovens que alimentavam as paixões em noites de cantoria, descante ou serenata...
Mas a tradição escolástica vimaranense não se confina à Colegiada. No século XV estudariam na Universidade de Salamanca 55 jovens filhos da mais fina nobreza vimaranense e cujos encargos sendo incomportáveis pela família, terão decidido contratar professores para o ensino dos seus filhos no Colégio universitário da Costa para o qual contribuiu substancialmente D. Diogo de Múrcia. Assim tivemos cá a Universidade na Costa: “pois sendo El-Rei D. João III ainda príncipe, houve um filho natural com uma moça da Câmara da Rainha D. Leonor... a quem pôs o nome de D. Duarte, e o mandou criar com todo o segredo no Mosteiro da Costa, junto a Guimarães”. E logo o irmão do mesmo Rei, D. Luís “... entregara ao Colégio da Costa seu filho D. António, que proviera de seus amores com uma formosa judia, a Pelicana” . Citando o Sábio polígrafo José Leite de Vasconcelos diríamos que “se outras indicações históricos não houvesse, bastara este singelo para nos fazer restituir à cidade de Guimarães a glória da posse de uma Universidade no século XVI “.
Depois chegamos à época dos descobrimentos, ao Séc. XV e a cidade sofre uma transformação bastante acentuada. As ruas Novas começam a aparecer e os interesses económicos medievais também modificaram os seus hábitos e lugares. A Festa foi acompanhando o crescimento do burgo e criando números que se foram perpetuando na tradição. A orientação das ruas, até aí Norte - Sul, ou seja do castelo à igreja, passa a ser Leste/Oeste - da Igreja em direcção ao mar..... O principal interesse na época, era chegar rapidamente ao mar.
Muitos jovens se perderam em aventuras e se quedaram pouco pela cidade. Daqui em diante toma-se mais importante pôr os produtos da terra rapidamente junto ao mar para aprestar barcos e caravelas. Ali para as bandas de Vila do Conde, muitos dos nossos moços foram atraídos pela nova aventura e também por ela foram levados e influenciados. Os folguedos também vão sofrer algumas transformações.
A Academia cria a sua Confraria e, com o compromisso de 1513 introduz os hábitos novos das Novenas e Matinas à padroeira Nossa Senhora da Conceição. Existiam então ali para as bandas da ribeira da Vila, no fim do terreiro da feira onde agora acontecia a festa ao senhor S. Nicolau e em cujo dia -6 de Dezembro- era costumeira da Colegiada  soltar os coreiros em seu dia e noite, e em plena libertinagem  soltarem os bichos do corpo e  maus fluidos, acumulados pelos excessos do recolhimento  e internato. Nesta altura cederam o seu lugar no Campo da Feira por troca de Capela nova nos campos da Amorosa, junto ao caminho principal para Braga.
No Inventário Geral da Colegiada relativo a 1564, pode ler-se: A Capela de S. Nicolau fizeram-na os estudantes desta vila e outros devotos de dinheiro que ganharam em comédias e danças que por devoção do Santo e aumento da capela aceitavam o dinheiro que lhe davam. Tal demonstra um culto anterior a 1654 em que a Capela já estava concluída e é em 6 de Dezembro de 1691 que se transforma por compromisso, a Confraria de S. Nicolau em irmandade.
No tempo dos Filipes a juventude luta pela independência e em defesa de liberdade para Portugal. Em Guimarães há várias manifestações contra o poder instituído, Sobretudo cavalgadas de embuçados que durante a noite com gritos à liberdade acabam por ser interditos e as manifestações são proibidas. Chegamos ao Séc. XVII e as ameaças à jovem independência, bem como as invasões francesas, vêm contribuir para aumentar o fervor e imaginário patriótico que estão registadas nas figuras de estilo e hipérboles e fantasias postas nos textos, comédias, danças e representações promovidas pelos estudantes. Nos pátios da cidade, nos salões das casas senhoriais ou tão somente nas ruas para o povo anónimo, Guimarães rejubila de alegria pela Festa da sua juventude. Nasce o Pregão à boa maneira das academias francesas ou do simples decreto real que era anunciado e que pelos Bandos Escolares eram apresentados e declamados, acompanhados de cavalgadas e mascaradas que incomodavam o poder instituído.
O pregão era o gáudio da populaça provocando truculências e desafios às autoridades. O séc. XVIII encorpou a tradição dos Festejos, consolidando a Urbanidade. No século XIX a Escola Industrial e Comercial de Guimarães, o Seminário da Oliveira e o Liceu foram o alfobre animador das Nicolinas. Mas aqui assistimos a uma diferenciação social, latente nos dois estabelecimentos de ensino e que se vai exacerbar em diferentes conflitos e confrontos entre os jovens, de tal maneira que deixaram marcas em várias gerações, sobretudo quando os estudantes do liceu tomaram conta da tradição, quando se confrontaram com as entidades do "Estado Novo" que, não permitindo manifestações públicas dos jovens queriam integrar a Festa, nas actividades da Mocidade Portuguesa. Esta intenção viria a ser gorada por um grupo de jovens que, pela calada da noite foram apropriar-se do estandarte, símbolo maior da
Academia, ficando bem guardado a partir desta data, mas sempre presente nas eleições anuais do Jardim do Carmo, a legitimar o acto.
Os aprendizes moços dos ofícios, artes e mestres e os jovens estudantes originários de uma classe mais favorecida economicamente, não estudavam todos no mesmo sitio. Os primeiros na Escola Industrial e os segundos no Liceu. Nesta época nasceu o banho forçado - o banho dos Futricas- no antigo chafariz do Toural e que hoje se encontra no Carmo. Peça única do nosso património construído.
Este período das Nicolinas é o mais profano da sua existência, pois do seu carácter religioso nada reza a história, Os Festejos são os tempos do liberalismo. Deviam antes chamar-se festas às Senhoras de Guimarães. Elas são as verdadeiras musas no decurso da história e da sua existência fundamental, como se testemunham nas leituras dos pregões da época. A natureza cumpre a sua função. Existe. Ao longo da data de 1880 só se encontram nos bandos das Nicolinas, apoteoses ao amor, hinos e madrigais às senhoras da cidade e galanteios às formosas e azougadas meninas do burgo. É a época do Romantismo literário que foi cultivado pelos moços nicolinos. O tema forçado é o amor. Somos, assim, levados a concluir que Nicolau era um símbolo para encobrir intenções reservadas e paixões naturais.
Em 1853 e 1861 por morte respectivamente de D. Maria II e do Senhor D. Pedro V não se realizaram as Nicolinas.
A Academia estava de luto. De 1865 a 84 celebram-se as festas com muito brilho por empenhamento de uma plêiade de jovens das melhores famílias do burgo. De 1884 a 95 não há festas Nicolinas. Desapareceram e S. Nicolau foi esquecido. Qual a razão deste desinteresse? Os estudos de Latim e Lógica do Instituto de N. S. da Oliveira até 1884 serviam de preparatórios, tanto para as carreiras civis como para a vida eclesiástica. Por isso Guimarães era um centro académico importante e, por isso, Nicolau podia ser e era festejado.
Mas a organização dos Liceus com estabelecimentos forçados para preparatórios das profissões liberais rouba a Guimarães a maior parte do seu contingente académico. Somente em 1896 o pedido de criação do Liceu Nacional é atendido fazendo voltar a Guimarães a mocidade estudiosa de Entre Douro e Minho, das terras de Basto ou do Sousa e de Trás-os-Montes. Neste período, um realce particular para os obreiros das Nicolinas, fazedores de novas e actuais festas, bem zabumbadas e afinadas a preceito por Jerónimo Sampaio e do anjo da pena, fazedor de soberbos poemas e pregões magistrais, o Dr. Bráulio Caldas. Deste período existem, em cada ano produzidos, brilhantes Pregões e Bandos escolásticos dignos de mestres e que são património da nossa Academia e onde estão retractadas magistralmente as personagens e figuras de relevo da cidade com sátiras e criticas magistrais. Ao voltar do século despede-se uma geração e acontecem as novas mudanças na cidade.
A República chega e com ela o progresso começa tambem a chegar a esta cidade, pela vontade do Presidente Mariano Felgueiras e seus pares. O comboio para Fafe, a polícia, as zonas novas da cidade, o internato Municipal sendo seu primeiro director o Dr. Eduardo d'Almeida. Com esta geração o destaque para Arnaldo Pereira, Nicolino de referência, mas também para João de Meira, Padre Gaspar Roriz, Delfim Guimarães, Luís Filipe Coelho, Jerónimo d'Almeida, Leão Martins e o Mestre José de Pina.
A República e o 28 de Maio também trouxeram marcas e mutações aos Festejos e as Reformas do ensino emanentes reduzem ao ostracismo as Nicolinas. O Estado Novo não desejava movimentos estudantis onde a liberdade e a democracia faziam parte dos seus hábitos de vivência.
A Festa fica reduzida aos alunos do Liceu Nacional de Guimarães e a alguns outros, poucos, da Escola Industrial que se atreviam a participar. Na década de 60 por força do restauro da Igreja da Oliveira é desmontada pedra a pedra a capela de S. Nicolau que fica amontoada até aos nossos dias na Colegiada. Um erro imperdoável dos Monumentos Nacionais. Também a Irmandade quase desaparece, envelhecida e temerosa. Em 1961 nasce a AAELG e o realce será para o estimado e saudoso António Faria Martins acompanhado de Antonino Dias P. Castro, Aristião Campos, Hélder Rocha, Luís Cardoso, João Augusto Passos, Amadeu Guimarães, o Sargento Júlio Mendes, António Monteiro, Alexandre Rodrigues, fazedores já anteriormente em 1954, de umas saudosas e atrevidas Danças. Com o 25 de Abril ganha polémicas e novos arremedos de vontade de renascer.
Um grupo de nicolinos desde 1969 alimenta o Espírito Nicolino das novas gerações que participam na Festa, sempre que é preciso mantê-la viva. Neste grupo que reúne há 30 anos na última Sexta-feira de cada mês encontram-se homens de grande envergadura moral e pública e cuja dádiva às Nicolinas merecem referência, Meireles Graça, José Maria Magalhães, Agostinho Gonçalves, Joaquim Mota Prego, José Gilberto, José Maria Jordão, Pinto d'Almeida, e os já finados: o velho Passos armador, o alegre Rui Faria, e o nosso saudoso “Ku-mandante” de Fafe o Orlando Alves, Alexandre Rodrigues, Martins Faria, entre outros de boa memória. Era o professor Óscar Machado que como Maestro orientava a “música” toda para as Festas e o Sino a sanfona do órgão carregado até ao último piso da Torre dos Almadas.
Deste grupo de aproximadamente 30 Nicolinos saíram, ao longo das últimas três décadas, as Festas Nicolinas actuais, melhor ou pior expressas nas comissões anuais de jovens que as tomaram realidade. Nas décadas de 70/80 uma nova geração começa a apropriar-se da Festa como herança: Cândido Costa, Alcino Machado, Américo Ferreira, Lino Moreira, Augusto Costa, Capela Miguel, Abel Monteiro, João Mesquita, José Ribeiro, Vicente Salgado, o Ricardo Gonçalves, o Rolando Sampaio, João Neves, Francisco Tadeu, António Romano, Carlos Duarte, Carlos Ribeiro, que se dedicam ao rejuvenescimento das Danças de S. Nicolau e da Academia.
Os Trovadores do Cano cediam o espaço de ensaio e os tocadores para o Hino. Rejuvenesceram-se grupos e tertúlias fazedores das Festa Nicotina; renasceram por fim, trazendo para o seu lugar primitivo, o centro histórico da cidade - a Razão de Ser e a Alma da Festa: As Maçãzinhas. Já na década de 90 outra geração aparece empenhados na valorização das Nicolinas: Luís Correia, Pedro Lima Fernandes, Hélder Oliveira, Luís Almeida Jr., João Bernardo, Miguel Bastos, José Almeida, António Teixeira, Damião Martins, Armando Castro e a Nicolina Marta Nuno.
Hoje vivemos as Festas com novas realidades. Algumas das muitas das Tertúlias que alimentam a tradição anual institucionalizaram-se e cumprem a sua missão á sua maneira. Hoje, as Festas ao senhor S, Nicolau possuem tal força e vigor que se declaram parte integrante desta condição de Património da Humanidade que é a nossa cidade que muito amamos-Guimarães.
As Festas Nicolinas são, então, cada vez mais as festas de todos os estudantes da região de Guimarães e que, escolhendo a cidade para estudar encontram aqui urna tradição única e de grande valia social e cultural.
Hoje as Nicolinas são uma forte realidade cultural, mobilizadora da Alma Vimaranense.

Texto de
F.C.Miguel
desenvolvimento 1000 Empresas