Arquivo: Pregões de S. Nicolau



Verdadeira origem histórica do «Pregão» Nicolino
segundo A.L. de Carvalho em “O S. Nicolau dos Estudantes”
 
Sobre a origem deste número da função nicolina-também chamado bando escolástico-pretendeu-se atribuir-lhe o objectivo de prévio anúncio da festa.
Dizia o bando de 1866 pela voz do seu pregoeiro:
«eu venho anunciar a festa ingente...»
Na realidade não é assim. Quando o bando, em cortejo solene, é apregoado ao povo, já vários números das nicolinas decorreram.
Esta circunstância, por si, bastaria para demonstrar: que outra é a função do bando escolástico.
Atentemos em fastos académicos de natureza histórica:
Na douta e tradicionalista Universidade de Salamanca -segundo o seu estatuto de 1538- em determinadas festas reguladas pelo calendário da igreja, saíam a público os escolares de vários colégios recitando, perante grandes auditórios, discursos que, em certa maneira, correspondiam a «lições» práticas.
Este exercício escolástico verificava-se normalmente nas solenidades seguintes:
Páscoa da natividade, Páscoa da ressurreição, pentecostes.
Outros dias solenes seriam escolhidos para a prática destas «lições», embora o aludido estatuto quinhentista não mencione senão as três solenidades da igreja.
Transcrevo textualmente uma passagem da informação que solicitei à universidade de Salamanca:
«... Saldiam (saíam) estudiantes de cada ano de los tales colégios a orar y hazer declamaciones publicamente.»
Estas «orações» declamadas, eram algumas vezes pautadas ou revistas pelos lentes. Então, discursar, declamar, impunha -se como disciplina de retórica. A eloquência era requerida para todas as tribunas: sacra, parlamentar, forense, popular. O mesmo exercício se observava no colégio das artes, em Coimbra, oiçamos o que nos diz o insigne lente da universidade, Dr. Joaquim de Carvalho:
«na aula de retórica, além das lições e exercícios escritos, havia declamações em dias determinados. Declamavam-se orações de vieira, assim como de Cicero e de Bussuet, traduzidas em vulgar, e composições da própria lavra do estudante, depois de corrigidas pelo professor. A algumas declamações assistia todo o colégio.»
(apontamentos para a hist. Contemporânea vol. 1.°.)
Este exercício, no colégio das artes, limitava-se às aulas. O mesmo exercício, em Salamanca, verificava-se na praça pública. Daqui brotou o modelo vivo realizado pelos escolares de Guimarães na sua tradicional festa ao patrono s. Nicolau. Para que se faça uma ideia da notável frequência dos portugueses na universidade salamantina, basta citar esta passagem da história de Portugal, por rebelo da silva, referente à revolução de 1640:
«os escolares portugueses que frequentavam em Salamanca os estudos superiores, eram mais de quatrocentos.»
(ob. Cit., t. 4º)
Neste número havia, por certo, alguns escolares vimaranenses. Muitos ali se iam doutorar (v.hist. De la universidade de Salamanca. Vidal y Diaz. História da universidade de Coimbra, vol. 1.°, pág. 367 e 388).
Não é, pois, de estranhar que, da universidade de Salamanca se copiasse o original dos Pregões escolásticos, na festa de S. Nicolau em Guimarães.
A própria contextura do bando escolástico não é prelúdio de um programa de festa. Manuseando os antigos bandos, nenhum deles nos oferece a ideia de um anunciar de festa. Sumariando os assuntos constitutivos dos «Pregões» nicolinos, são estes os temas mais visados:
Epigramas satiricos aos costumes; alusões pícaras aos sucessos escolares; amavios românticos às damas; coriscadas virulentas aos intrusos; panegíricos camoneanos aos deuses gentílicos; brejeirices picantes às criadas e costureiras; facécias críticas aos governantes municipais; ditirambos graciosos ao patrono; pançadas risonhas ao burguês ; hossanas campanudas à politica do momento - tudo em decassílabos, em louvor das musas e mais das tradições escolásticas.
Tal é a matéria prima, a substância poética dos bandos escolásticos.
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