Arquivo: O culto de S. Nicolau ligado ao da Senhora da Conceição
Outro acontecimento religioso, para além da devoção e culto de São
Nicolau, teve interferência na instituição das Festas dos Estudantes de
Guimarães. Trata-se do culto da Senhora da Conceição.
As Novenas da
Senhora da Conceição têm realização em Guimarães desde finais da Idade
Média, adquirindo elevado destaque mais tarde, após a recuperação da
independência, em 1640. Os Estudantes da Colegiada, que detinham uma
Irmandade em honra da Senhora da Conceição, sediada na igreja da
Colegiada, instituíram entre si o costume de cada ano se deslocarem
extra muros, ali a dois passos, à Capelinha de Azurém para celebrarem as
suas Novenas.
Deste modo, o celebração da Senhora da Conceição
foi-se combinando com a de São Nicolau, não só por ambas serem devoções
dos Estudantes, mas também pela proximidade de datas que se verificava
entre a Festa de São Nicolau (a 6 de Dezembro) e a da Senhora da
Conceição (a 8 de Dezembro), com interligação das suas Novenas.
É da
combinação destas duas Festas religiosas que, numa interacção e
apropriação do profano face ao religioso, se desenvolvem as Festas
Nicolinas.
O culto de São Nicolau (combinado, a dada altura, pelos
Estudantes da Colegiada de Guimarães, com a devoção à Senhora da
Conceição, na sua Capelinha de Azurém) adquiriu raízes profundas em
Guimarães. A par das raízes religiosas desse culto, foram-se
desenvolvendo, como era natural acontecer com todas as celebrações de
Santos, manifestações profanas.
Tal facto explica-se do seguinte modo:
As
Festas religiosas serviam de pretexto para muitas práticas que nada
tinham de religioso, São muitos os documentos chegados até nós que
asseveram esta realidade. Aliás, ela é perfeitamente compreensível. Num
tempo em que o quotidiano era especialmente duro, qualquer oportunidade,
justificada por si mesma, de cultuar um Santo (as missas, as
procissões, o cumprimento de promessas...) nunca era desperdiçada,
aproveitando-se a ocasião para manifestações de alegria, como cantar,
dançar, jogar, representar... e depois mercadejar, negociar... Tudo isso
funcionava como uma quebra na monotonia do quotidiano, função que as
Festas desde sempre tiveram na história da humanidade.
A Igreja por
mais que uma vez procurou combater esse fenómeno (tal aconteceu, por
exemplo, no Concílio de Trento, relativamente a festividades tão
importantes como o Corpo de Deus, o São João, o Natal..., e tal
continua, por vezes, a acontecer ainda hoje), mas em vão. A expressão
profana das Festas em honra dos Santos acabava sempre, e naturalmente,
por abafar, ou pelo menos atenuar, a celebração religiosa.
Ora as Festas Nicolinas não escaparam a este fenómeno de profanização de motivos religiosos.
Também
a propósito do São Nicolau, o povo primeiro, os Estudantes depois,
aproveitaram a celebração religiosa para fazer esquecer os rigores do
quotidiano. E se o povo tinha motivos para introduzir uma pausa na
dureza do seu dia a dia, os Estudantes não os tinham menos, já que a
lide dos livros era a seu modo igualmente pesada. E por esses motivos a
euforia da celebração do Santo foi-se confundindo com a necessidade e
desejo de diversão.
E isto era tão usual acontecer que, a dada
altura, quando os ânimos voltados para a Festa profana pareceram entrar
em decadência por parte dos Estudantes da Colegiada, foram os próprios
Estatutos da Irmandade de São Nicolau (Estatutos de 1691, cap9. XIV) a
lembrar aos Estudantes o envolvimento antigo, recomendando-lhes que
participassem nas comédias e nas danças por amor a São Nicolau. Claro
que havia interesse nisso, era preciso angariar fundos para a construção
da Capela do Santo e fazer frente a despesas correntes.
Todavia, a
regra não foi ser necessário que a Irmandade do Santo viesse junto dos
Irmãos solicitar-lhes que se dispusessem a folgar e divertir-se.
Intensificando-se
as interferências profanas nas celebrações religiosas, a pouco e pouco
foram as primeiras a tomar conta das segundas.
O uso e a tradição, a
necessidade de reagir ao peso do fluir dos dias, a juventude de pelo
menos uma boa parte dos Estudantes envolvidos... tudo isto interferiu e
provocou interacções e desgastes.
Daí resultou, com muitas
interferências e evoluções à mistura, esta inultrapassável e irrepetida
manifestação cultural, que são as Festas Nicolinas.
Texto de Lino Moreira da Silva (adaptado)
A Alma e a Graça das Festas Nicolinas
Edição - AAELG/Velhos Nicolino