Arquivo: O culto de S. Nicolau em Guimarães
A introdução do culto de São Nicolau no norte de Portugal, em geral, ficou a dever-se a vários factores:
Um
deles foi o culto da Igreja, que lhe dedicava (dedica) um dia solene no
seu calendário, o destacava entre os seus Santos e o fazia venerar pelo
povo.
Outro foram os contactos de nortenhos com o estrangeiro,
nomeadamente em viagens de comércio, sobretudo por mar, de onde chegavam
ecos de tradições e milagres em que estava envolvido São Nicolau. Eram
muitas vezes negociantes e marinheiros, que nos perigos do mar se
habituaram a cultuar o Santo e a trazê-lo, em momentos difíceis, tão
perto da boca como do coração.
Um outro foram as influências
recebidas de centros culturais, no país e no estrangeiro, tais como
Coimbra, Salamanca e Paris. As Universidades sediadas nessas cidades,
que estabeleciam, tanto quanto a época permitia, interacções estreitas,
eram pólos difusores de cultura de grande relevo, e delas e para elas se
deslocavam personalidades destacadas, que difundiam devoção a par da
cultura.
Em Coimbra, existiu, junto de Santa Cruz, uma Irmandade de
São Nicolau (fundada em 1144), que detinha Hospital e Albergaria. A
Coimbra afluíam Estudantes de Guimarães e do estrangeiro, que depois
partiam em muitas direcções, alguns deles em direcção ao norte do país.
Além disso, a Universidade de Coimbra recebeu grandes influências das
Universidades de Salamanca e de Paris, e foi-as transmitindo, ao longo
do tempo, a quantos demandavam o seu ensino.
Em Salamanca, a devoção a
São Nicolau tinha fortes raízes. Eram célebres as 'Caminhadas de São
Nicolau', em que os fiéis se deslocavam, durante três semanas seguidas, a
lugares de devoção envolvendo o Santo. Também as duas Catedrais
salamantinas, a Velha e a Nova, à sombra das quais nasceu e se de
desenvolveu a Universidade, adquiriram e conservaram fortes marcas dessa
antiga devoção.
Estudantes portugueses, nomeadamente da diocese de
Braga, iam para Salamanca, o que acontecia por razões de proximidade
geográfica, mas também por maior tolerância face às ideias. Estudaram em
Salamanca D. Diogo de Sousa e D. Frei Baltasar Limpo, Arcebispos de
Braga; o humanista flamengo João Vaseo veio de Salamanca para Braga
leccionar Grego e Latim; o Breviário e Missal bracarenses, entre outros
livros, foram impressos em Salamanca.
Em Paris, sabe-se que eram
feitas representações dramáticas em honra de São Nicolau, tornando-se
famosos, desde tempos antigos, os tradicionais Jeux de Saint Nicolas.
Estes eram representações (século XIII) celebrando o São Nicolau,
comportando à mistura cenas religiosas e "cenas de cabaré'.
Também a
Paris afluíam Estudantes portugueses, podendo-se destacar, por exemplo,
os mesmos Arcebispos D. Diogo de Sousa e D. Frei Baltasar Limpo e o
Reitor da Universidades da Costa e de Coimbra, Frei Diogo de Murça,
entre muitos outros.
O 'Caminho de Santiago' foi um forte elemento
divulgador do culto de São Nicolau. Da Europa para a península (os
caminhos de Aries, Le Puy, Vezelay), e depois pelos caminhos
peninsulares de Santiago, a devoção a São Nicolau foi-se espalhando
sempre. Compostela, centro de peregrinações por excelência, tornou-se em
núcleo difusor do culto do Santo, nomeadamente para Portugal, e
especialmente para Guimarães. Entre Santiago e Guimarães, ligando a
devoção do Santo com a da Senhora da Oliveira, eram constantes
interacções de todo o tipo. Um provérbio muito antigo dizia até que:
"quem for a Santiago / e não visitar a Senhora da Oliveira / não faz
romaria verdadeira". O culto de São Nicolau enraizou-se em Guimarães por
esta via.
Texto de Lino Moreira da Silva (adaptado)
A Alma e a Graça das Festas Nicolinas
Edição- AAELG/Velhos Nicolinos