Arquivo: Pregão de 1932

Bando Escolástico [Impresso] / Delfim de Guimarães.-Guimarães: [CFN], 1933 (imp. Tipografia Minerva Vimaranense). [1] f.; 44x22 cm. Impresso s/ papel azul. Existem dois exemplares, um deles impresso em papel verde.

Recitado por António de Melo Coutinho



As Festas Nicolinas de 1932 foram, uma vez mais, prejudicadas pelo mau tempo. Neste ano, o pregão sobressaiu, repetindo-se o autor do ano anterior, Jerónimo de Almeida. O pregoeiro foi o estudante do quinto ano, Francisco José Teixeira de Aguiar. O texto começa por uma viagem pelo Mundo (Itália, União Soviética, França, Alemanha, América, Brasil, Espanha), até que chega a Guimarães, satirizando os melhoramentos de que a cidade tinha sido objecto nos últimos tempos.

FESTAS NICOLINAS EM GUIMARÃES
Pregão Escolástico
Recitado em 5 de Dezembro de 1932
pelo quintanista
Francisco José Teixeira de Aguiar

A Academia Vimaranense, no pertinaz desejo de efectuar as tradicionais Nicolinas, solicitou de mim, uma vez mais, o meu humilde concurso — escrevendo o Pregão. Como o fizessem nas vésperas da Festa, fiz uma cara feia! Mas os nossos briosos académicos insistiram! E eu — que, positivamente, não possuo a lira de Elmano - compus sobre o joelho esse Improviso, de cuja pobreza de ideias e mesquinhez de forma peço perdão a Minerva!...
J. A.
Deixem, de S. Domingos, os sinos de tocar,
Que fazem entristecer, a cada passo, a gente!
Tréguas à nossa dor e basta de chorar!
Tristezas hoje?... Não! Nicolau não consente!

Paire, em volta de nós, a alma de Rossini,
Ao ouvir do tambor o musical idioma,
Que eu julgo ver até o próprio Mussolini
No momento em que fez a marcha sobre Roma!

Lenine apodreceu nas steppes de Moscovo!
E o exército vermelho, os rubros soviets,
Julgando reformar este mundo de novo,
Sentiram-se calcar, por toda a gente, aos pés!...

O abençoado sol que doira os nossos campos
Não carece da luz de novas teorias:
São pequenos, azuis e débeis pirilampos.
Tentando iluminar as noites mais sombrias!

Se um dia se apagar o fogo da lareira
Que a todos nos reúne em íntima vigília,
As Pátrias romperão os elos da fronteira
E o homem viverá à toa e sem família!

Reine a Paz e a Harmonia em nossos corações,
Única aspiração que esta época celebra,
Apesar — ó vergonha imensa das Nações! —
Da luta que se deu no seio de Genebra!...

A França quer a Paz e, em nome do Progresso,
Clama o Desarmamento em eloquência vã!
Mas se as coisas se voltam, um dia, do avesso,
Desfaz-se, de-repente, o sonho de Briand!

A Alemanha sorri... e, olhando de soslaio,
Pensa e torna a pensar no seu doirado Império,
E dando de barato a tanto papagaio,
Diz ao Kaiser que venha em comboio-mistério!...

A América, a sonhar nos seus “arranha-céus”,
Contempla, com desdém, a turbulenta Europa,
E diz à Inglaterra: “Ó velhos sócios meus!
Ou me enviais dinheiro ou organizo tropa!...

O nosso irmão Brasil, numa febre maluca,
Ferindo dento em si as lutas mais insanas,
Enquanto os sabiás gorjeiam na Tijuca,
Come balas julgando saborear bananas!

Portugal, esse então, olhando para a Espanha
E vendo o que se passa em plena Catalunha,
A todo o instante espera uma nova façanha,
Para de cá gritar, em voz potente: “À unha!...”

No meio deste imbróglio irónico e fatal,
De que ninguém, talvez, chega a fazer ideia,
A Rússia descobriu o plano-quinquenal,
Para ver se põe termo a tamanha odisseia!

Mas como a Paz na Terra é uma pura quimera
E jamais poderá haver por cá sossego,
O remédio será subir à estratosfera,
Resolvendo por lá também o desemprego!...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

*

Deixemos o que vai por esse mundo fora
E olhemos para nós, para este lindo Berço,
Doirado pelo sol da mais formosa aurora
E eu canto, envaidecido, em sonoroso verso!

Que Guimarães progride é um facto manifesto,
E eu tenho para mim, é minha opinião
Que mesmo se faltar dinheiro para o resto,
Outra Rua não há como a do Capelão!...

Vai já adiantada a Praça do Mercado
Que delícia há-de ser de todos os turistas,
Ficando-lhe a Avenida-nova mesmo ao lado,
Com passeios de mármore e casas futuristas!

Candeeiros de prata e mais melhoramentos
Nunca mais hão-de ter em nossa terra fim!
Com respeito, porém, a certos monumentos,
Bastarão por agora os Vasos do Jardim...

O Castelo voltou à sua mocidade,
Arrancaram-lhe a hera e tem novas ameias:
Relíquia, sem igual, desta nobre cidade,
Que sempre se orgulhou de ter boas ideias!...

A Câmara actual que, sem parar, se empenha
Em cumprir fielmente o seu belo programa,
Mandou principiar, voltado para a Penha,
Um Bairro que a atenção de toda a gente chama!

Quando chega o calor (eu esta ideia louvo-a!)
Como o povo a gozar hoje não é tacanho,
No rápido que vai mesmo direito à Póvoa,
Avança para o mar a fim de tomar banho!

Só um desgosto há que não nos abandona,
E apesar de eu saber que há muita gente rica,
Como ao tempo que foi da velha Mumadona,
Ninguém diz, do* Teatro, ao certo, onde ele fica!...

Oiço, de vez em quando, ali para o Proposto
Um grande brouhaha, uma algazarra imensa,
E eu que nunca gostei de futebol, nem gosto,
Vejo que só na Bola a humanidade pensa!

Como a bola, porém, não tem nenhum miolo,
Contendo dentro em si oxigénio só,
Nesta vida que faz até sorrir um tolo,
Não há nada melhor que jogar o yo-yo!...

*

Guimarães comemora, em breve, o Centenário
Dum filho ilustre seu e dos maiores que teve,
Uma alma de eleição, um génio solitário,
A quem tão fundamente a Arqueologia deve!

É um Sábio que merece o mais profundo culto;
Não é nunca demais, por isso recordá-lo:
Em bronze há-de gravar-se o seu egrégio vulto
Para que ao pátrio-amor lhe sirva de regalo!

Mas Guimarães não teve apenas a Sarmento,
Outros Homens prestaram a Guimarães também,
Ou pelo coração ou pelo pensamento,
Um grato benefício, um luminoso bem!

Que tenha cada um a glória que lhe cabe
E seja a nossa terra mais agradecida
A quem a enobreceu e que por ela sabe
Lutar até morrer em toda a sua vida!...

*

Agora eu vos saúdo, ó Mestres do Liceu!
E peço a Nicolau, com toda a minha alma,
Que olhando para nós lá do alto do céu,
A todos nos conceda vida longa e calma!
*
Senhoras! perdoai a este maçador
Que tanto bem vos quer e não vos pede nada!
Para mim a Mulher será sempre uma flor,
Muito embora essa flor ande, às vezes, pintada!

Mas eu não levo a mal um bocado de tinta,
Pois que, se pouca for, até vos dá mais graça!
Já que, por nosso mal, toda a gente se pinta,
Para ver se a velhice ainda por nova passa!...

*

Até que se acabou o triste pé-descalço,
O sapato e a chinela é tudo o que se vê;
E eu corro, muita vez, neste infeliz percalço
De me esquecer a olhar para um bonito pé...

A higiene é que manda. Há apenas um defeito
Bem alto a protestar contra esta maravilha:
— É que mesmo que seja um pé muito bem feito,
O sapato, se for muito apertado, trilha!

*

Fiquemos por aqui e bastará de tretas!
Rapazes! prosseguir avante, rua em rua!
Fazendo estremecer os frígidos planetas
E ocultar-se, outra vez, em negra sombra a lua!...

Jerónimo de Almeida

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
Publicado originalmente em http://araduca.blogspot.pt/
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