Arquivo: Pregão de 1927



Bando Escolástico [Impresso]/Arnaldo Bezerra.-[Guimarães:CFN], 1927.-[1] f.;50x28 cm. Impresso s/ papel vermelho, outro impresso s/ papel branco.Existem dois exemplares, estando o vermelho rasgado a um canto e com falta de texto.

Recitado por Francisco Antunes Guimarães
   
Em 1927 estreou-se um novo autor do pregão Nicolino, Arnaldo Bezerra. Foi recitado por Francisco Antunes Guimarães, estudante do 7.º ano de Letras. A crítica de O Comércio de Guimarães foi positiva:
"O Bando Escolástico, que era recitado por um aluno do 7.° ano, foi um dos números que mais agradou.
O cortejo vinha bem disposto e era de grande aparato.
Era o Bando da autoria do nosso apreciado colaborador o snr. Arnaldo Bezerra.
Um pouco suspeitos para o apreciar, s. exa. deve sentir-se satisfeito com as apreciações que lhe foram feitas.
É um trabalho meticuloso, consciencioso, e sobretudo, que pode ser ouvido por todos.
Fazendo um hábil apanhado à vida íntima de Guimarães, critica com acerto, e ironia, conseguindo satisfazer ainda aos mais exigentes."

BANDO ESCOLÁSTICO
Recitado em 5 de Dezembro do 1927
PELO
ALUNO DO 7.º ANO DE LETRAS
Francisco Antunes Guimarães

Glória dá nossa Terra! A ancestral aurora
Donde irradiou, suprema, a luz reveladora
que divulgou a fé e iluminou de heroísmo
do pélago fervente o tanebroso abismo!
Como ontem, Guimarães, tu hás-de ser ainda,
na tua tradição tão rútila e tão linda,
o fulcro vigoroso, a célula pujante,
por onde Portugal ressurja e te alevante
da triste escuridão a que o deixaram ir,
os que olham o presente e esquecem o porvir!
Hás-de ser tu que, ao som dos festivais repiques,
farás lembrar que em ti nasceu Afonso Henriques.
E o lábaro da Glória — à raiva de prejuros —
Tremulará ovante em cima dos teus muros.
Heróicas, como outrora, ao tempo das conquistas,
em fé e patriotismo a obras nunca vistas,
em busca do Graal, falange as partirão,
qual outro rei Artur, a salvar a nação!

Que a mocidade de hoje asila no seu peito
o rancor à mentira, o ódio ao preconceito,
E firmemente quer — e há-de dar a prova —
erguer em Fé e Amor o altar da Pátria nova!
De ti há-de partir a sugestão mais forte
que vença o inimigo e vença a própria morte!
Há-de partir daqui, intrépido, seguro,
o exército imortal à glória do Futuro.
E então, glorioso, belo, imenso e triunfal,
no mundo ressoará um nome: Portugal!

Mas... Guimarães, perdão! Reviva neste instante
a mais bonita festa, a Festa do Estudante!
Hoje um lapso à folia, um sueto u mocidade.
Deixai cantar e rir a deusa Hilaridade.
É a vida um sonho ameno? Uma ilusão? Talvez.
Mas para ser vivida, a graça do entremez,
a lágrima do drama, o pranto da amargura,
como o beijo do orvalho a abrir a flor mais pura,
da vida há-de tombar no cálice incolor,
e transformá-la em riso ou transformá-la em dor!
Por isso desculpai o que o pregão observa:
Hoje ganhou o ceptro à ínclita Minerva
e do poder subiu ao derradeiro grau,
o nosso padroeiro o grande Nicolau.
Ó vós que me escutais, mestres esclarecidos,
do nosso pensamento e alma tão queridos,
dignai-vos aceitar de ardentes corações
a homenagem melhor das suas saudações.
Mas... livros hoje? Não! Deixai-os descansar,
que isto, bem o sabeis, não pode ir a matar.
A gente escuta sempre as vossas sábias práticas
mas hoje... tem que ser! Fecham-se as Matemáticas.
A Química não fala. É muda a Geografia.
E, Físicas, Latins, Inglês e Biologia
toda essa legião de textos e doutrinas
não podem cá entrar nas festas nicolinas!

Correu a voz da infâmia, o boato alvissareiro,
de não ser feita este ano a Festa do Pinheiro.
Assim, iniquamente, aí se propalou.
E o bom S. Nicolau ouviu, sorriu, calou,
porque Ele bem sabia o estéril fundamento
da notícia veloz arremessada ao vento.
Contra a aleivosa audácia, enérgica, reclama
da Festa Nicolina a sua eterna fama,
e faz saber aqui, à insídia infamante
que: enquanto em Guimarães houver um estudante
e enquanto pela rua a capa flutuar,
a Festa há-de fazer-se, a Festa há-de durar!

Já um ano decorreu e... vede quanto alcança
o esforço despendido em prol de uma esperança!
Desencantou-se, enfim — aqui o deixo expresso —
essa palavra ideal que se chama Progresso.
Vê tu, ó Guimarães, incrédula outrora,
como ela te ilumina em cânticos de aurora!
Vê como esse esplendor bendito, se insinua,
cantando, alegremente em cada praça ou rua.
Ontem os largos teus criavam ervas ruins
hoje, ó maravilha! esmaltam-nos jardins!
Impúdicos o ar, enchiam maus olores
onde repunge agora o bálsamo das flores!
Tornou-se mais airoso, embora sempre aziago,
o tal bairro latino, a Praça de S. Tiago.
E até puseram lá, por humorismo e graça,
um chafariz que dá de beber a quem passa...
Mas não só cinge a isto a obra meritória
que há de, por certo, dar renome à lusa história.
Subi ao pouso ameno, ao alio da colina,
e vê-la-eis imponente, a alcáçova afonsina
alçando o seu perfil garboso, singular,
na fina transparência esplêndida do ar!
Causava mágoa ver o pristino guerreiro
manietado ali, em duro cativeiro.
Veio o bom senso, enfim, Chegou a nova era!
Já fala para nós essa grandeza austera,
na pedra secular que o tempo denegriu,
Mas, nunca, destruidora insânia demoliu!
Mais longe chega ainda o gigantesco impulso
de quem procura dar-te a força do seu pulso,
de quem aspira ver-te, ó terra gloriosa,
como rainha altiva e linda como a rosa!
Por isso no teu seio, esplêndidos, simétricos,
E para eternizar o sonho que os conduz
Fizeram-te isto até! Um monumento à luz!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
[Lacuna – faltam 6 versos]
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Em breve — crê — é um facto, escusas ter receios;
Será inaugurada s Central dos Corretos.
Agora não é fita. O mísero pardieiro
vai exalar, que é tempo, o alento derradeiro,
Será uma festa enorme a festa da abertura,
Com música e tum-tuns a estralejar na altura,
entusiasmo vivo, opíparo jantar
e taças de champanhe erguidas para o ar!
Corre insistente agora — ideia que idolatro —
que possuirás também um confortável teatro.
Para essa construção, sem dó, sejam proscritos
da encantadora Penha uns certas eucaliptos
que lhe crescem diante em pinchos de hotentotes
e darão, certamente, esplêndidos barrotes,
A eles, lenhador, o golpe justiceiro!
Que nem um só lá fique; é isto o que eu requeiro,
Alegra-te a esta nova, ó Guimarães, exulta!
Vai ter reparação aquela afronta inulta
que aa idaa gerações do teu formoso burgo
negaram a esse ilustre e grande dramaturgo,
honra da tua grei, engenho surpreendente,
que a Europa admirou: o Poeta Gil Vicente,
No mármore e no bronze, o génio seu fecundo
ficará recordando a tua glória ao mundo!
Sinceros parabéns! O vento é de feição.
Anima-te o progresso, o seu fulgor te exalta,
Ao sopro que te impele à posição mais alta,
tu vais realizar a tua aspiração!

Bombeiros, exultai! Foi nobre o vosso gesto!
Por ele, eu uno aqui ao vosso, o meu protesto!
Quiseram patentear, na dádiva mesquinha,
a sua gratidão, os maiorais da Cuca!
Ó mártires do Bem! à honra assim, convinha.
Bombeiros, parabéns! É assim como se educa!

Tricanas! Onde habita a ingénua singeleza
que já vos emprestou milagres de beleza?
Aquela chinelinha airosa e saltitante
de talhe precioso e graça exuberante,
o clássico avental, o lenço floreado,
que davam tanto chiste e brilho natural
ao vosso corpo esbelto, ao vosso andar ritmado,
— o que era o vosso encanto — onde pára afinal?
Hoje, como se fora um vergonhoso Entrudo,
palhaços vos fazeis, no corpo, na alma, em tudo!
Moças da minha Terra, ingénuas raparigas,
deixai essa loucura em que a alma vos delira;
cantai o vosso amor em dúlcidas cantigas
e o despotismo horrendo, a trágica mentira,
a moda que vos leva à escravidão mais forte,
condenai-os sem dó, à proscrição e à morte!

Senhoras! Recebei em nosso leal respeito,
as francas saudações do mais gostoso preito.
No ritmo e na cor destes alexandrinos,
a Vós, damas gentis de mãos e rostos finos,
a Vós que possuís o sedutor encanto,
que faz da vida um sonho, ou faz do sonho um pranto
um hino a Vós se eleve e paire em derredor,
glorioso como o sol, vibrante como o amor,
e fique em vosso peito, em êxtase, a cantar,
qual o som de um violino, em noites de luar!
Donzelas de alma nobre e coração sem jaça!
Como é que sendo assim formosas confundis
a límpida beleza, a íntima virtude,
com a miragem vã que apenas vos ilude?
Como é que vós entrais na feira do artifício
e dais ao vosso rosto o hórrido suplício
que afeia a limpidez das cútis de marfim
com vermelhões de rouge e nódoas do carmim?
Porque é que à vil tesoura a vossa trança dais
que estrofes mil lançou, em poemas imortais?
E vosso olhar de sonho e graças feiticeiras,
porque é que o aprisionais em lúbricas olheiras?
E o vosso corpo ideal, quando era recatado,
e por que é que transformais num grito de pecado?
Senhoras! Consenti a audácia de um conselho:
desterrai o decote, a saia rente ao joelho
e, embora vos fulmine o sorriso escarninho,
devolvei a Paris o cabelo à Joãozinho.
Voltai à vossa graça ingénua e virginal,
voltai à vossa Terra, ao céu de Portugal!

É amanhã, gentis, o mais formoso dia.
Fiéis à tradição tão cheia de poesia,
quais outros menestréis, na medieva idade
tangendo o arrabil, à doce claridade
dos brilhos siderais, ó Fadas do enleio,
viremos-vos trazer, em fino galanteio,
o pomo da amizade, em glórias à rainha,
o símbolo do afecto, a doce maçãzinha.
Ó belas, aceitai-a i dai-nos um sorriso
onde se espelhe abril num celestial fulgor,
onde floresça o e reze o bem do paraíso,
onde gorjeie e cante o rouxinol do amor!

Rapazes! Acordai-me o som desses tambores
Que ele ressoe ao longe em gritos e clamores
do vale e da montanha, às praias do Oceano!
Bem alto proclamai que o peito lusitano
Revive para aquém dos versos de Camões.
Com garbo, a maçaneta, e ânimo pulsai
Que lembre o seu fragor, dos cumes do Sinai
a terra apavorando, os bíblicos trovões!
Rufai, moços, rufai com entusiasmo ardente
À ânsia de quem ouça o seu troar ovante
Se diga que não morre a Festa do Estudante!

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
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