Arquivo: Pregão de 1828

In: [Bandos Escolásticos] [Manuscrito].-1817-1872.- f.6-6v.
Publicado na "Revista de Guimarães".Cópia do livro de apontamentos de António Joaquim de Almeida Gouveia, cartorário de S. Domingos.
Existe outra cópia, feita pelo Abade de Tagilde, em duas folhas.
   
Nos dias 5 e 6 de Dezembro de 1828, segundo o cónego Pereira Lopes, saíram mascarados os estudantes como nos tempos remotos costumavam andar, deixando alguns anos de andar por lhe vedar alguns ministros. O pregão desse ano, relativamente curto (64 versos) é conhecido, embora não se saiba quem o escreveu nem quem o recitou. Trata-se de um documento fortemente marcado pela conjuntura política (vivia-se o tempo da usurpação, depois de, nesse ano, D. Miguel se ter proclamado rei absoluto). Escrito por mão de um miguelista, possivelmente um clérigo, é uma apologia da nova situação política (Depois da mais perigosa conjuntura. / Nos santos se honra a Deus, não são abusos, / Por eles temos rei e somos lusos), terminando mesmo com Vivas ao grande rei Miguel primeiro.
Para além da invocação do encanto da vida, vós, ò belas, são escassas as referências que eram usuais. Não se fala, por exemplo, no castigo para os que se intrometessem nas festas, nomeadamente aos banhos forçados no chafariz do Toural e o rendeiro é tratado com uma benevolência inédita.

Bando escolástico – 1828

Silêncio! Ninguém fale; ouça-me tudo,
Que eu prometo falar com som agudo.
A trombeta da fama não me falta,
Do que ela a minha voz será mais alta.
O mundo a ouvirá porque a espera
Num dia em que costuma rir a Esfera.
Dia de Nicolau, ínclito santo,
Que há longas eras se festeja tanto;
Mas que nunca surgiu mais venturoso,
Mais faceto e melhor para nosso gozo.
Tudo hoje é prazer, tudo é ventura,
Depois da mais perigosa conjuntura.
Nos santos se honra a Deus, não são abusos,
Por eles temos rei e somos lusos;
Oh! que de males tem em Lísia entrado,
Que a sua intercessão tem dissipado!
Aqui é Nicolau o nosso escudo,
De nossos males defensor, guia no estudo.
Para honrá-lo pois, qual neste dia
Senão deve ostentar nossa alegria!
Festivas danças, lícitos folgares,
Não mancham o sagrado dos altares.
Briosos filhos de Minerva augusta,
Continue-se em posse tão vetusta,
Que nos dá para a função justo direito
E a que Guimarães já está afeito.
Sem ela murcharia o melhor gosto
E a todos desprazer viria ao rosto.
Vós, encanto da vida, vós, ò belas,
Do mundo social ricas estrelas,
Nela interesse tomai, sois seu ornato,
Por um gentil aspecto a todos grato.
À mais guardada, tímida donzela,
Se concede este dia de janela.
Ali no almo prazer as almas pulam
E assim nossos brios se estimulam.
Mais vale um riso seu, que ovantes louros,
Mais vale seu amor, que mil tesouros.
Por um tal prémio quem duvidaria
Ir provar a fortuna deste dia?
Qual será de entre os filhos de Minerva
A quem esta ambição na alma não ferva?
Que não procure com indústria ou arte
Mostrar-se digno dela em toda a parte?
Que por cobarde enfim não saia a campo
E murche em casa como um figo lampo?
Oh campo de Guimarães, amanhã o dia,
Agradar tão somente é porfia.
Emblemas e feições, ditos galantes
São para na lide entrar armas bastantes.
Nenhum se escuse pois, todos se aprontem
Ou seja a pé, ou a cavalo montem.
E em tendo aliviado o bom rendeiro
No circo cada qual seja o primeiro.
Corra e torne a correr, que a meta amada
Não se toca sem ser com afã buscada.
E quando o áureo dia, o sol luzente,
Levar consigo às terras do ocidente,
Ufanos de colher no jogo as palmas,
Não sai a gratidão das nossas almas.
Exalcemos nas vozes mil louvores
A Nicolau ilustre e a seus favores;
Saiam do peito, com fervor inteiro,
Vivas ao grande rei Miguel primeiro.

FIM

Transcrição e comentários de António Amaro das Neves
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